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Mostrando postagens de março, 2020

Pós Verdade com Farofa e Banana

Estou fascinado com a covardia e fraqueza desta geração. Vivemos em uma época em que as pessoas disfarçam sua fraqueza em um ódio fajuto, desviando a verdadeira intenção do discurso: pedem para que não batam nelas porque são incapazes de se defender. Isso é puramente uma metáfora. Entenda por "bater nas pessoas" não a violência física, mas a argumentação ácida. Quando o debate se torna espaço para a simples opinião, não existem mais regras. Mas debater com lunáticos é uma tarefa intelectualmente suicida. A melhor forma, talvez a legítima defesa da dignidade, seja recorrer aos mesmos artifícios. Se você age como idiota e todas as pessoas passam a acreditar que você é um idiota, isso vai dizer mais sobre o comportamento delas do que sobre o seu. Contudo uma vez em que eu vivo segundo a minha própria moral, não é sequer um risco, é nada além do que um alívio.

O Cacto

Este cacto Este cacto duro que aparece Toda vez que eu te abraçava Desgraça Este cacto que da sua boca Areia do deserto Este cacto sombrio Anarquista meia tigela Sentimento de amor banguela Este cacto que é indivisível Na revolução popular Não é rebelde nem militar É um cacto em seu devido lugar Nem mais pra frente Nem mais pra trás Nem cruzando a avenida  Pela tempestade Não tem bandeira não tem idade Este cacto aí sempre esteve Isento de solidariedade Este cacto do bem Da boa maldade Da mais pura imbecilidade.

Mindfulness de Botequim à Tarde

A voz que para dentro clama Aquela que todo mundo escuta Um som que se arde em chama Abre-se em fissura uma gruta E diz olhai o túnel interior Caminha pelo escuro, confia Segue lento no chão ardor Sente na pele o sussurro, espia. Arrasta pela negra galeria Este pé que pesa de insistência Não há nada lá, não há nada lá É a repetição dessa confidência. A quântica teoria nos diz Tem algo que no descontrole Teima em controlar Luz arde chama Alegria alegria E o Sol nas bancas de jornais Ninguém se lembra E nem sabe do Sol. Só do sangue E do pó que vieram estes homens imortais. Um homem dos informes, um jornaleiro Escuta moço, quanto custa o isqueiro? Leva aqui rapaz, não te esquece do cinzeiro. Fim do  almoço de arroz, feijão filé, Vai um café? Quanto foi? Perdeu de novo? Vai descer motorista Resmunga puto manobrista. Carta boleto ferro de passar jogo de botão De rosa caída escada vez que se sai Vá mais falo centro peça de teatro! No fim do túnel, u

Deimos

Meu amor, Quando eu fazia de mim um servo Era teu um severo amor. Queria ter te dado o mundo Ou um abraço, Mas só tinha eu. Beijei o rabo do Inferno. Consolo-me, beijei teus pés. Meu amor, a ti amei Como jamais amei Iavés. Quem vive o pânico O medo e o horror Te amei como jamais meu amor. Da lenda em teu labirinto Eu era o Dédalo e tu minha Perséfone. Sabia que era cera E me disse: voa, voa alto Meu amor me levaste ao céu e ao chão. E como a Sibila ergui a mão Dai-me seu amor, conforme os grãos de areia E deu-me só os grãos em que o fogo ateia. Amor, como te amei Mesmo com a mão em faca E a corda em mão. Amor como gritei teu nome em vão. Te amei Senhora da Guerra. Desço da portentosa casa divina Onde a consciência um dia mina. Morrer na imortal Terra

Rainha

A última escrava negra do Brasil foi libertada em 2012. Você sabe o que aconteceu com ela depois? Saiu com recomendações do senhor, dizendo: - Você é escrava, mas é como se fosse da minha própria família. Se precisar de qualquer coisa pode vir me pedir ajuda. Ela saiu da casa de seus senhores, sem rumo, sem saber o que fazer. Tinha sido escrava a vida inteira, então só sabia engomar roupa, botar cozidos no fogão a lenha, ajuntar as galinhas no galinheiro, pegar ovos, bater roupa na pedra, essas coisas de escrava. Andou um pouco diante da Casa Grande, e ficou hesitante, voltou para a casa dos senhores, que observavam tudo da fresta da janela do Estudo da casa. - Meu senhor, dizia a nobre escrava, meu senhor peço ajuda. - Pois diga velha livre, dizia o senhor, agora que é livre, te trato de igual pra igual. - Meu senhor me disse que se eu precisasse de ajuda, podia pedir qualquer coisa. - Pois peça velha livre, disse o senhor, que era um homem nobre e rico, p

Depressão - Digressão 8

Entre os anos de 2007 e 2009 estive morando em Campinas, trabalhando para duas empresas, IBM e BT, respectivamente. Campinas é uma cidade que fica a 100 km da capital paulista, São Paulo, e considerando o raio de distância tão curto, é curioso saber o quanto as pessoas diferem de local para local. O meio em que vivi me ofereceu relações sociais e perspectivas bem diferentes das que eu estava acostumado. As pessoas do meu bairro eram mais pragmáticas, menos propensas aos romantismos e aos desejos idealistas. Elas eram mais duras, brutas, num sentido de que, se fossem minérios, elas não seriam polidas para tornarem-se jóias e ornamentos. Seriam combustível mesmo, diretamente. Em Campinas conheci diversos ornamentos. Dentre elas, nome fictício, estava uma Sara de Almeida. Aqui eu quero fazer um parenteses sobre relacionamentos. Quando temos um problema de estima, tendemos a tolerar o mínimo como máximo, e tendemos a viver uma vida sob a sombra de uma luz que não ilumina nada de v