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Chamas de Yemanjá

Almíscara penumbra

O ar que pesa em febre

As sedas ardem chamas

Verte-me a maré da criação.


Recebo em exortação

As faíscas que te explodem sob a pele 

Cubram-me, estrelas cadentes.


Ergo-te minha aberta taça

Largo anseio a coletar

Neste cristalino cálice

As pérolas de deleite mar.


Perfeita ondulação

Com um arqueio para trás

Transmuto em Eva

Rosa aberta das Mil Noites

Das mil insaciáveis noites!

Sem medida.


Deixe que caiam

Que cerquem-nos as brumas

Banham a alma o noturno orvalho

Ouça este canto

É a beleza do profano hinário.


Neste sonho vivo

Altivez de devoção cutânea 

Rito ao lúgubre exorcismo 

Governa e acata simultânea.

Sorve dominada a benta água

Aceita a nativa incumbência 

A viva e infinita exultação.


Quente e pesada

Cai a noite

Salto na cidade inteira

Soltas rubras copas

Sem medo

Reflexo brilhante das estrelas

Embebe o lacre dos segredos.


Quente e pesada

Em açoite

Salta a cidade inteira

Um, dois, três, quatro

Brindem ao pórtico

Abraçados às cortinas

Rasguem o manto sem rubor

Contemplem o espelho dos desejos

À vil reserva de se expor.


E a este que a palavra cai

Sei o que a língua me atrai

Palavra que em ti do que te falo

O confuso vagido que escorre

Em um úmido estalo, joelhos ralos.


E como um cocheiro habilidoso

Conduz como princesa ao meu assento

A quadriga que inverte sua função

A mim me cabe a condução

Na frente sigo, e segue-me o corcel

Relincha, égua abaixo do dossel

E mesmo obediente desce a vara

Rosna a fera, animal infame

A crina solta esvoaça a peça rara

A égua, impregnada diz

Não para, não para, não para!


Fleumática, lânguida e risonha

A besta cai e resfolega

Um momento a saciar a sede

Há uma fonte inesgotável de orvalho

Um galho pendendo sobre a relva

Irrompendo a obstinada nutrição.


Cai torrente sórdida

Cai líquido infernal

Deixa que embeba

Da seiva do teu sal

Ergo-te minha ampla taça

Borda rubra em lume

Ergo-te minha exausta taça

Vasta faminta a coletar

Meu luminoso cálice

As pérolas de regalo mar.


Não guarde o fôlego e a força

Não guarda ainda o carro.

Acumula, eu sei, entre as décadas

As pétalas que solta por aí

Traga a vara e o vagão em companhia

Há um espaço sob a tenda contraída

Ávido aguarda pulsa em labaredas

Logra do deslize da torrente

Entra, cuidadoso, na coibida silhueta

Que a tempestade besunta o caminho

Enterra teu domínio com firmeza

E clamem para si a terra inteira!

Arda a rosa estrela em chama

Abra a Carmem flor, a dama

Faça com que caia da donzela

O véu princípio da mundana!


Façamos tremer toda a estaca

Façamos ruir o teto em rachaduras

Façamos iluminar o amplo espaço

Das trevas que vertemos em ternura!


Mira, distinto guerreiro, nosso campo de batalha

Veja aqui em mim, a essência amolecida

Aqui sob meus pés, relegado à mortalha

O fim do nosso culto, ao júbilo da vida.


Sob as cortinas surge a primeira centelha

Ergue-se na aurora o majestoso astro

A firme brasa incandescente, insaciável

O pulso que aquece, oceano que abraço.

A perna desfalece, comtempla emocionada

Os sulcos da vertigem, as veias rios de fogo.

Venha, titã , eleva-nos ao fastígio

Exploradora deste mundo

Bebo cada onda, cada cheia, cada gosto

Venha, épico maestro

Doa a tua a fé ao apetite sem pudor

Ergue a tua fronte aos céus

Enquanto a ti te entrego minha prece.

A ti te abro as portas, te mostro o meu luar

A ti te entrego a primavera e a estrela oculta.

Ouso, meretriz, sorver do vinho sacro.


Segue, último em mim, marcado na memória

Os dentes delatando a nossa história

Estradas, portos, mares e montanhas

E um rastro de amor além dos ermos

Tantos rostos, tantos nomes, tanta tentação

E tantos são os abraços, até em solidão

Mas tu, oceano que o abrigo arrebenta

Tu, que tua onda me incendeia

A ti, te juro eterna, sou inteira!

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