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Mostrando postagens com o rótulo Poemas

Na Praia

Contempla a pedra una o nascimento Do suntuoso Astro que se lança Como o materno elance tua brasa Extirpa da minha vida o lamento. Beija-me os pés com tal candura A alma que imortal e majestosa Clara, tão macia e arenosa Da vida, abranda a desventura. Dança com o silvo de uma brisa Restaura-se o grão o teu domínio Incauta testemunho-lhe a misa A carícia que faz-me a imagem. Já não mais soa como o eterno toque Que na memória o gesto imortaliza Vez a vez se aparenta-se imponente A cena que comove-me o enfoque. Cavalga mar adentro a ventania Prata e prata no celeste horizonte Manto líquido, tua sabedoria Áspero, feroz limpa o Flegetonte. Olha a pedra do flamejante prenúncio Do grande Astro que o braço repousa A ocre cor que em seu leito se esconde Salva-se o mar perene de silêncio.

Aniversário

Esse som ríspido que raspa o meu trajeto  Não é a demência da alma Não é o som pesaroso de um luto repentino  É o som dos estilhaços esparramados no chão  Daquilo que sobrou do espírito menino. Sim, eu sei, hoje era pra ser de alegrias Sorrisos, gratidão e fortuna Horizonte avante, de um futuro que se abre Mas futuro já não há, não penso, não vejo  Só o pesar que com o coração coaduna. Recebe uma ligação porém, Ainda ouve aquela voz familiar  Aquele amor que é o mesmo da infância  Aqueles sons que se repetem e já nem nota. A mesma cantiga cujo final se antecipa. E cai o anjo novamente, no eterno lago A pele etérea arde na dúvida sofrida Por que, por que, por que minha vida? Não tem porque. Só tem aqui. Se atravessa a rua ou para Ou se o cometa explode o corpo celeste É porque.

A Vida é Espera

Aqui está, são R$3,74 senhor. São 7:34, está na hora de ir, senhora. Em quatro minutos, abaixem seus lápis  Volto já, até lá, página 74. Pois em nome do pai e do filho Amén  Pois é um menino ou menina? É menino! Sra. Cardoso? Sim! Sr. Cardoso? Sim! Até que a morte os separe! Embarque portão sete! Três semanas em Noronha! Pois cheguei mais cedo Às 4 Ouço o ranger e o berro da cama E lá eles estavam. Assine aqui Sra. Guedes Está bem? Sim, soluça. Doutor. Quanto tempo doutor? Doutor quanto tempo? De 4 a 7 meses. Já faz 4 dias Que angústia, que tormento Nada acontece. Acontece que aconteceu Foi um lamento Nada mais se deu. Fica a saudade. As saudades Ai que saudade de... Em nome do pai Do espírito Santo  Amén.

A Child is Born

Talvez seja o som do enferrujado Ou um rato que emite seu chiado Escombros mais escombros de história  Fragmentos de vida, de memória. Torna o animal tua origem  Séculos e séculos recôndito  Desavergonha-se, prêmio da miséria  Anda a plena luz, sem pudor. Restos, muitos restos pelo chão  De homens e mulheres e crianças  Agarram-se firmes pela mão  Sob os rastros de uma explosão. Toda a tua ciência e tua literatura Cai-lhe sobre os ombros Tua salvação, tua ruína No fim das contas, de nada serviu toda a nossa luta. Cerveja, Bill Evans e uma vontade doce de morrer.

Pedro

Antes do pôr do Sol Pedro mudou de opinião três vezes Na primeira vez defendeu o ataque às tiranías Porém apaixonou-se, casou-se e comprou uma casa. Na segunda vez defendeu que houvesse o direito de proteger sua propriedade  Mas a mulher pegou-o em flagrante na janela aos desejos pela vizinha seminua. Na terceira vez defendeu o direito ao salário mínimo universal Ainda que todo Carnaval viajasse de férias para os resorts nacionais. E ainda que Pedro mudasse de opinião por uma quarta vez, não teria mais tempo. No escuro, na quietude da alma, só se ouve a orquestra dos gafanhotos. E o mar segue sendo mar. As folhas das árvores seguem em seu ciclo de renovação. O silvo da ventania farfalha a floresta como em zombaria.

Devaneio de um Sonho

 Eu vejo a distância a morte de uma flor Primeiro ela para de crescer, numa decisão impetuosa A cor que desvanece, empalidece, esmorece. O perfume cheira a frio e a saudade. Pouco igual ao fim de um espetáculo Testemunho o longo adeus, se recolher Dá-lhe água, adubo, carinho ou amizade Ela existe mas para de viver. Na veia corre o sangue em aflição Pois mesmo queira a flor se extinguir Mais forte sinto ainda o desistir. Pra que escolho esta flor como objeto? Servir como o frescor de um novo amor? Ou o consolo expurgo desta dor? Como a vela em dia claro, sob a luz ardente Não quero que se vá, que me deixe, que termine Como pés cansados num deserto transcendente Pende a pétala no instante em que decline. E as pétalas as deixam, avassalada Uma morte por dia, a flor que emudece Mas menos que um sopro de vida: Ao cadáver de pé, uma prece: Tenta, a vida que se arrasta, arrasta ainda e segue.

O Lago

Caminha entre alamedas tortuosas E a abóbada de bosques sigilosos Adentro a mata o encanto avistai Repousa obliterado o grande lago. E largo encontra em límpido repouso Defronta diante em margem distorcido Silêncio com remanso se emaranha Enigma malcontente insuflado. Atira-lhe uma pedra e de onde em onda Emergirá um monstro adormecido Até que venha o próximo remanso Até que a fenda em sangue desvaneça.

Terezinha

Dona Terezinha assistindo a novela de Asa Branca Seu Roque Santeiro, santo do falso milagre. Falava com Porcina: - Entre aí não sua boba. Bicha besta! Mas Porcina ia mesmo assim. Estrela gravada na memória. Desliga o vidoguei Apanha a bassôra Espie, espie, espie Valei-me, Deus me livre! Sua palavra transborda de fé Sob seu pilar, histórias de milhões. Terezinha tem nome Santa. Santa Terezinha. Estrela gravada lá no céu.

Declínio Pós-Guerra

As imagens eróticas no jornal. Sangue escorrendo da testa das crianças Escombros e mulheres em agonia O homem pende murcho com os olhos no vazio. Um espetáculo pornográfico Tanto quanto eu tanto quanto nós Contemplo o teu nome marcado na sepultura. Ainda que eu te veja no lado de fora do sepulcrário Você me acena e sorri com tristeza Murchos com os olhos no vazio Teu nome jaz inerte na pedra, na alma, na carne e no coração.

San Michele a Ripa

Sai da espada tua lágrima de pérola E atira-me violenta à danação eterna Esta prisão de sangue, suor e sorte. Com o tordo e larva preso em tua jaula Que ao ter a porta esgarçada e frouxa Voa em certa liberdade para a morte. No pulso, a cela em ferro e estilhaço Do cheiro ao gosto da ferrugem rompe No indulto face em frente à encruzilhada? Tuas janelas que ao Tibre se refletem Olham fundo ao abismo que os mira De uma boca dolorida e desdentada.

Bucolismo

Com tua carroça cheia dos restos da cidade O catador para diante da margem do rio É um rio largo, escuro, mal cheiroso Ele observa o reflexo nas águas, suspira e vai embora: - Esse rio é tipo um abismo. Todo dia passa ali, com tua carroça colorida de catador. A engenharia é uma piada tecnicista Tem uma TV quebrada Num celular, uma antena de carro, só por ironia Um CD de um grupo de Axé que já acabou - o resto de uma alegria do passado - Uma boneca vestida com roupa de mecânico Restos de móveis Restos de roupas Restos de memórias fragmentadas. Ele mira o reflexo nas águas, suspira, e vai embora: - Esse rio aí, é um imenso abismo. Todo dia é a mesma coisa. Do outro lado da margem do mitológico rio:  A vista bucólica de um jardim bem cuidado Casas em seu devido lugar Pessoas em seus devidos lugares É tudo como se fosse um sonho. Ele olha as águas, se vê no fundo distorcido, suspira, pega sua carroça e vai embora - Um dia atravesso o rio. O rio é quase sem fundo e quase sem vida.

Eurípedes

A moça de 26 anos busca a noite para ser de novo menina. O motorista de ônibus anseia pela última viagem. Salta o coração da faxineira sua canção favorita no rádio. O homem de negócios espera uma ligação importante. O professor olha, esperançoso, a letra cursiva do garoto. A enfermeira limpa com zelo, o corpo do paciente, prestes a se recuperar. A garçonete pode receber uma gorjeta. Todos , de alguma forma, porém, se encontram no caos do cruzamento central da cidade. Enquanto a felicidade não vem.

A Praça

Chegando na praça central Ouço os ecos e os rumores De uma vida que parece outra Os risos de andarilhos sem caminho Os caminhos de passos tortuosos O desgaste do que antes fora arte As estátuas sem nome Os nomes nas placas sem história Folhas caídas pelo chão  Os recortes no ar, de galhos retorcidos Ominoso, lugubre e risonho Será que um dia voltarão a florescer? A cada suspiro uma mão distante me acena Miragem ou ilusão, um consolo de memória. Por que tão vazia? Por que tão pouco visitada? Por que assim, remota, esquecida? Cercada de casas sem família Cercada de muretas sem ter o que proteger Nesta praça de ruas que não vão e nem chegam Somente o velho reina Meu filho, diz o vento, é assim mesmo. Quantas vezes soube tu, alguém que guardasse teu nome? A praça tem som de tranquilidade e cheiro de saudade.

Passado em Cinzas

A vida é um Casino Onde a moeda é o tempo Apostas à mesa A decisão é um jogo de sorte Cada perda custa caro E ele ou ela que foram um reinado Moveram mundos e multidões Diante do último suspiro até onde a vista mira Como sentiram-se estúpidos no anoitecer. Paguem esta conta com cinzas ou sangue Limpem os pés ao sair E guardem os sapatos no baú da memória.

Torre de Marfim

Creia na força da palavra E no ato da nota creia Que para cada verso bordado Firma-se o tecido na veia. Leia o leito caudaloso  Deguste este versar Como quem costura A boca do teimoso. Pois tecidos, não trapos Esgarçam-se na pele Mal os tapam o frio E a pouca das vergonhas Enquanto versos desenrolam Transbordam sangue lá e cá  Dos corpos que caem pelo rio. Do alto de suas torres de quinquilharias finas O som de seu clamor íntimo morre pelo ar Como quem, de apelo surdo  Morre de fome no chão. Obrigado por explicar  À existência da minha miséria A miséria da minha existência.

Dopping

Eu te escrevo esta carta Enquanto em minha mente Tudo cheira a ferro Deitado em leito esplêndido Um homem sem feição  Analisa os ferimentos  Ele não mirou nos olhos Cantarolava um rock Enquanto agonizava em vida  Na descida ao litoral A ventania bagunça os cabelos Mas na memória penteadeira Manchas pretas nas digitais  Nas últimas linhas em tinta E no pensamento tarde demais.

Experiência

Quanto se nega ao coração A verdade de uma morada verde? Pouco serve o maduro fruto  Se o que se morde é sem sabor! O enquadro é farsa, sentido vão A pintura esparsa, vazia visão Quando muito tem-se tempestade O que sobra e sente é sopro Tredo abraço que outrora afaga Nessa falta é tudo o que sobeja.

Maquinista

O maquinista puxa o cordão A locomotiva apita Chegou o trem, o povo sobe A locomotiva sai O maquinista puxa o cordão Saiu o trem, o povo espera A locomotiva apita O maquinista puxa o cordão Checou o trem, o povo desce Mas então como se fosse num sonho A locomotiva não apitou mais O trem não saiu e nem chegou mais O povo não desceu e não sobeu mais O maquinista parou E como se fosse num sonho Olhou para o horizonte e viu o pôr do sol Pela primeira vez soube o que é calor Em lágrimas, bateu forte o coração Sorriu, pediu perdão e se apaixonou. Na estação, adormeceram mil anos de amores O tempo não mais se foi, estacionou. A locomotiva em ferrugem, vagão de flores.

Castelo de Praga

Castelo de Praga Tua bela arquitetura Teus belos portões represando a segurança Tuas belas torres que erguem-se à perder da vista Das mais belas voluptuosas imagens do céu Tuas belas janelas,  que em grande parte  Portam a frágil luz sobrevivente Da vela que há muito se acendeu e morre Pouco em pouco  Derrete-se sobre o parapeito  Jaz a lâmina de um guerreiro absoluto lá E do outro um penhasco aqui. Muito se especula das batalhas no arredor Pelos longos infinitos corredores  Que aos ecos servem de abrigo Ecos de todos os tempos e sorte de emoções Tuas pontes que interligam todos os caminhos E que trazem todos os tipos augúrios Sem muita proteção. Pouco sabem das batalhas de seu interior Os gritos de dor e desespero Os prantos que ergueram os seus muros As valas que escondem morte e sofrimento Os silêncios e murmúrios de corações que sangram As mulheres que aos gemidos confessam o coração As palavras que cortam o vento Os esfregões que lavaram lágrimas e secreçõe...

A Chave 2

Cada qual, ao que se parece Carrega desde que se nasce Uma chave em bolso tece Que em desuso se desvanece As vozes que nos sussurram Mais parecem zumbidos - Vai para lá, vai para cá Vai para lugar algum. Quando se encontra uma fechadura - Entra aqui menino, Aqui é a casa de agrura. Que é agrura? Fica e saberá. Às vezes as vozes erram Nos levam pra qualquer lugar A chave da infância não foi fantasia A porta que se abriu foi armadilha.