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Eu, Criador de Mim Mesmo

Não planto árvores sobre a terra
Pois a terra me rejeita
Minha terra é o rio corrente
Rebelde e indolente
Triste e Solitário
Rio jocoso e salafrário
De águas venenosas e duvidosas
E ali um galho que nasce
Frenético e triste desfalece
No primeiro cotovelo
De seu curso fácil

Mas no rio
Tudo o que há é meu
As palavras
Os sons
A temperatura das salas
A largura das alas
Os critérios alfandegários
As burocracias portuárias
Os portos de ancoradouro
Os recifes que encalhei
(Sim, há recifes no meu rio)
As sacadas de serenatas
Os feiches luares de prata
São meus os risos das meninas
E o ódio por mim mesmo.

Só não me pertecem as árvores.
Em terra que só consome
Não crescem árvores.

Não planto árvores em terra firme
A terra que tenho é terra de açude
De lamaçal
De manguezal
Terra movediça e suja
Sem ânimo ou vitamina
Sem brisa fresca
Sem água de rio
(Rio seco cheio de recifes).

Saudades eu sinto
Da árvore lá de casa
De copa imensa para o menino
De sombra fresca como abraço
De folhas verdes como olhar
(O olhar e folhas que deixei escapar).

Não planto árvores em terra pura
Pois sou um péssimo agricultor
A semente da árvore que plantei
Deu-me o fruto sem encanto
Deu-me a flor invisível
De ego indivisível
Deu-me o estúpido pranto
(Bem ali, escorado no canto)
Deu-me as certezas duras
E as dúvidas burras
(Quando antes de plantar, pensei serem burras as certezas).

Oh Pai dai-me a luz
E o intento
Que roubei de mim mesmo
Destrói este vil espelho
E joga os estilhaços
Sobre os cortes de minhas veias
Dai-me o frescor das águas
E a brisa suave.

Pois fosse eu em Teu lugar
Escreveria a história do mundo com a mão esquerda.
Nasceriam árvores pelo fruto
E morreriam pela semente
Em tudo quanto é lugar.

A copa frágil
A raiz frágil
O tronco frágil
(Porém ágil em se safar)
Agitam-se pelo mais tóxico dos ventos
O vento que corta até a carne dura.

Oh árvore e rio
Rio e árvore
Rio solícito que deita sobre o leito
Da árvore sem coração e sem peito
A árvore do defeito
Rio Claro
Rio Amazonas
Rio Nilo
Rio Édem
Dali de onde surgiu o barro eterno
Abraça-me a árvore oh lama sagrada.

Oh lama abençoada
Faça-se a separação e o firmamento
E apareça a porção seca
Mas não seque completamente
Faça-se mais pura do que fértil.

Oh Deus misericordioso
Se me permite escolhar agora
Entre colher o fruto bom
Ou pisar no galho demente
Por que não me deixou escolher outrora
Quando ainda era semente?
Oh Deus, atenta a minha prece:
Joga na terra seca
Dentre todas as sementes
A que estava mais doente
E que cresce e flerta com a dúvida
A árvore movediça e confusa
Sem raiz forte e sem folha pura
Sem fruto doce.

Não sei plantar árvores
Em terra firme
Porém a terra é boa
Depende do Sol
Depende da Lua
A árvore que é débil
Não se deita em rio de curso firme
Que derruba montanhas
Sem medo e sem trégua.

Rio seco
Terra Dura
Árvore insegura.

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