Com dois olhares capta-se duas coisas distintas. Ler com dois olhares diferentes é viver dois mundos, viver duas vidas, viver um pouco mais de uma coisa que só poderia ser uma. Mas a vida é tão múltipla e complexa. Isso traz uma tristeza bela. Espero que gostem do poema de hoje que é como eu me sinto quando lembro das passagens de uma adolescência conturbada para uma vida adulta cheia de medos.
Só vi um horizonte
Só vi a linha torta
De uma cidade só
Só vi a escadaria
De sombras feitas no chão
Na sombra de um homem só.
Só testei uma tentativa
De só ver além
E de ninguém ver o que só vi.
Só entendi poucas coisas
E só compartilhei com todos
O que juntos todos já sabiam.
Só estabeleci uma regra
E só defini uma meta
Para os lugares que só chegarei.
Só vi um grupo de pessoas
Imagens conjuntas de momentos felizes
De uma felicidade que não se sente só.
Mas só daquilo partilhei
À distâncias dos que não estão sós
E só senti que o que eles sentiam
Jamais poderia sentir só.
Só vi muitos sois subirem
E muitos sois caírem
E só passei muitas noites
Sem saber para o que faria
Com onde estaria
Quem como seria
Só pensei, andei, não saberia.
Só quantas perdi
Não entendi
Só choraria.
Só estive na desistência
Só estive na salvação
Só eu vi a falência
De órgãos múltiplos que conjuntos tocam
Um conjunto de muitas notas.
Mas só notei o que pouco denota
De muitos ouvidos que reparei
Estarem ouvindo coisas distintas
E criando para si um universo maior
Que só jamais saberia ser
Ou pouco do tanto partilharia
Só nunca poderia.
Na percepção de um mundo tão grande,
Quantos não importa
Tudo não se entende.
A maioria é pouca,
Muito se faz, muito se vive.
Na margem de tudo o que existe
De momentos de eterna recordação
Onde cada percepção da vida é lírica,
Só estive à borda dos dias.