Aqueles que acessam a internet, e que acessam notícias jornalísticas, e também que acessam, especificamente, ao portal de notícias Yahoo, e que acessam as colunas de crítica musical, e por fim, acessam (ufa...) a coluna crítica de Régis Tadeu, talvez tivessem sido brindados na semana passada com o seu artigo sobre A Banda Mais Bonita da Cidade.
Bem, antes de começar a escancará-la, gostaria de fazer uma pausa para voltar no tempo da minha própria vida. Graças aos desgraçados amantes da dúvida, que pouco se conformam em aceitar como definitiva a sugestão das teorias ilustres dos mais destacados gênios do país, eu criei este mal hábito de discordar, especialmente quando me deparo com uma avalanche de obscuridades à razão do atual momento da inteligência brasileira. Acabou a pausa, agora de volta ao artigo.
O que me dá a vantagem de poder falar livremente sobre a crítica de Régis Tadeu é que, em primeiro lugar, eu não sei quem é Régis Tadeu. Não sei o que ele fez da vida para ser Régis Tadeu, e pouco sei também o que ou quem criou Régis Tadeu. Segundo ponto, eu não sei quem é A Banda Mais Bonita da Cidade, e não fosse a sugestão do próprio articulista, eu jamais teria conhecimento de que "o coração não é tão simples quanto pensa, nele cabe o que não cabe na dispensa" ou algo parecido com isso.
Por que isso me dá uma vantagem? Oras, eu estou imune aos possíveis comentários reacionários e passionais do tipo: "quem é você, um merdinha, para falar do Régis Tadeu, um cara que foi..." blá blá blá. Ou "você defende essa bandinha mais bonitinha da cidade aí, mas se conhecesse a banda tal dos anos tal (...) porque na minha época tal..." blá blá blá. Então que esteja claro que não é uma defesa direta a A Banda Mais Bonita da Cidade, mas sim, à liberdade de expressão cultural, além de uma defesa a outros conceitos a que estão ligados este grupo, juntamente com os seus (segundo Régis Tadeu) pares: Mallu Magalhães, Los Hermanos, etc.
No artigo ele menciona a possível carência afetiva dos ouvintes da banda. Sim, oras, o país está carente, apenas um cego preso num universo pequeno não enxergaria isso. O Brasil passa por um momento de crise de identidade que já dura algum tempo, ao tentar entender as suas raízes e origens numa nação de antepassados diversos. Esta crise de identidade e busca pelo passado revela-se naquilo que esperamos do futuro, e nas nossas escolhas de, negar ou aceitar o país como ele é. Temos dificuldade em adotar um rumo único para o nosso futuro por não sabermos exatamente o que é e do que se compõe o nosso passado. Isso explicaria, talvez, como num país tão rico, cuja cultura natural é repleta de valores que estão fortemente ligados à nossa história de verdade, permita-se adentrar e estacionar por aí, os valores culturais de outros países, especialmente dos Estados Unidos e Inglaterra.
Eu não entendo a crítica de Régis Tadeu, ao falar de uma banda que, obviamente, tem uma proposta artística, e já pressupondo dos integrantes alguma bagagem cultural, mencionar que o Ministério da Educação permitiu livros com erros de português. Essa afirmação já dá-se por perdido o crédito do articulista ao se permitir acreditar no que quer que seja que os jornais tagarelem por aí, uma vez que a polêmica do livro didático envolve intuitos meramente políticos de destruição e chacoteação do universo popular. Lembro-me que em certa entrevista, Mallu Magalhães que acredito hoje ter pelos seus 19 a 20 anos, citou Bertrand Russel. Oras, veja aí a incoerência da crítica a esse tipo de música que vem surgindo: uma menina de 20 e poucos anos citando Bertrand Russel, filósofo inglês, espera-se alguém que tenha no mínimo o hábito da leitura. Se estamos num país carente, e tomando por ícones essa nova juventude que usa a sua rebeldia para consumir cultura, ao invés de drogas, por que, afinal, a crítica e a depredação uma vez que os intuitos de expor a sua inteligência e o seu conhecimento é a finalidade do artista? O que queremos então para a nossa juventude? Por que bundas-moles as pessoas que traduzem toda a complexidade do nosso país para mensagens simples, daquilo que sim, realmente as pessoas estão precisando ouvir. Por que a censura àqueles que gostam da cultura e influenciam para a cultura. Não é a falta de cultura que somos constantemente julgados? O que é a cultura afinal? Parem de falar mal da cultura! Parem de falar da cultura má!
Eu passo pelos bares próximos às faculdades particulares, próximos também à qualquer esquina. Na verdade eu passo em qualquer bar ou qualquer estabelecimento ou em qualquer lugar, e falta amor, falta coração, falta um pouco de humanização numa sociedade que está cega para si própria e indiferente para a carência alheia. Estamos numa geração de mães solteiras que, sob a censura da família para falar do sexo, acabam precipitando-se nas curiosidades. Ou, dos filhos de pais que duramente exigem uma perspectiva do futuro, num país em que temos cada vez mais shoppings centers, e cada vez menos livrarias, vendo estes mesmos filhos que se refugiam na auto destruição de suas vidas. Se esta carência pela família conservadora que não fala, não ouve e não vê, puder ser substituída pela doce mensagem d'A Banda Mais Bonita da Cidade, então que seja, porque sim, estamos carentes, e carentes até mesmo de uma visão mais humana e sentimental, e menos imbecil e pomposa do que ficar simplesmente julgando um ato por não ser aquilo que esperamos que seja. Estamos carentes de ser ouvidos de verdade sem precisar receber a censura mediada por um conservadorismo falido.
O que aparenta nesta crítica deste Régis Tadeu é a tentativa de ocultar a sua verdadeira indignação, a de, quem sabe, envelhecer, e não poder nunca mais desfrutar realmente dos verdes e doces anos da juventude. Juventude que a seu modo, põe para fora (garantido por direitos constitucionais) aquilo que enxergam estar precisando, eles mesmos e seus semelhantes. Régis Tadeu e todos estes críticos de última hora, que deixam extrapoladas a sua insatisfação meramente por uma questão de gosto particular, não esclarecem de uma vez por todas o que exatamente eles esperam da cultura, da educação, da política do país. Eles destroem o vaso porque não o gostam, mas não repõe porque não o sabem.
Aquieles Priester, um exímio baterista, prestou vestibular no Dream Theater e tomou bomba. O Brasil, o pai conservador, parece não aceitar isso. Por que o Dream Theater virou padrão de qualidade da música? Por que o Aquiles Priester de repente deixou de ser um bom baterista apenas por um fracasso? Por que Mallu Magalhães não pode cantar, mesmo com a sua voz doce, mais doce que o doce de batata doce? Por que afinal, Fernando Anitelli não pode se pintar de clown e atuar enquanto canta e poetisa? Quem estamos aguardando então? Caetano e Chico descobrirem a fonte da juventude? Ou talvez o ressucitamento de John Lennon e Jimi Hendrix? O que há de errado com a música de origem minimalista, tal como as belas melodias de um tal de Yann Tiersen, influenciado fortemente por Claude Debussy?
Um brasileiro digno de ser chamado de brasileiro, lúcido, que amava ao seu país embora fosse cético quanto ao seu futuro político, disse: o escritor tem que ser homem do seu tempo e de seu país. Quem era esse brasileiro? Machado de Assis. Emprestando o aforismo e substituindo escritor por artista, Mallu Magalhães, Fernando Anitelli e a Banda Mais Bonita da Cidade perceberam que a população (inclusive aquela que não usa a internet) está carente de mensagens mais simples, cansados da complexidade dos cursos pré-vestibulares e das teses de Mestrado e Doutorado que só nos servem para enfeitar paredes. Não é de títulos que o Brasil precisa, mas sim de mais amor e fé na sua população. Arrisco dizer isso, na minha humildade como alguém que não é pago para escrever, muito menos para pensar. Na verdade, eis a grande diferença entre mim e os demais críticos: eu tenho a liberdade para pensar de graça.
Mas a nossa mentalidade nacional é formada por pessoas velhas, caquéticas, há anos tomando conta dos espaços de mídia, e pouco se lixando para a mentalidade da juventude. Tal crítica vejo eu como absolutamente reacionária, uma vez que se fica aquele sentimento de raiva de não poder submeter ao controle uma juventude que cada vez mais ganha asas. Se os nossos pais não nos ensinam, voaremos então sozinhos, da maneira que melhor nos acomode.