Durante toda a minha vida escurtei a frase: "O Brasil é um país atrasado".
Vinha da boca dos mais velhos, obviamente; bancários, funcionários públicos, motoristas e cobradores de ônibus, dos pais, tios, padrinhos, amigos dos pais, taxistas, pedreiros, religiosos, enfim, este era o meu círculo social na época.
Mas de todos estes, dos que mais ouvi vieram da boca dos meus professores, especialmente de geografia e história. Era um bombardeio diário à imaginação e auto-estima: "O Brasil é um país atrasado", e tão logo vinha a inevitável comparação com os ícones da economia da época: EuA, Japão, e uma parcela ínfima de países da península ibérica que todos teimam em chamar de Europa.
"O Brasil é um país atrasado" sempre esteve em meu imaginário quando eu posso ver reflexos de avanço representados pelas mais finas e altas classes sociais, que desfrutam de parte disso, geralmente trazidos do exterior, repetindo gole a gole, de seja lá qual for a sua bebida de café internacional: "O Brasil é um país atrasado".
A raíz, diversa, e os motivos, comumente emocionais, eclodem quando evidencia a nossa incapacidade de ser estrangeiro em território geo-político e econômico brasileiro. A impossibilidade de ser, porém não o de ter, estrangeiro.
Entretanto, esta frase foi perdendo a consistência ao longo dos meus anos de ser-humano. Se levar em conta o Brasil, parte de um pedaço de terra inserido num vasto mundo, inserido num vasto universo, o Brasil é um país atrasado. Mas gostaria de entender melhor de qual trilha estamos falando.
É ridículo dizer que um país é formado de pessoas, e as pessoas são o reflexo de seus próprios pensamentos e atitudes. Milhões de psicológicos e sociólogos podem negar a minha impressão humana do ser humano, por mais vivido que eu seja, uma teoria aceita é mais válida do que a minha própria impressão sobre mim mesmo.
Na tentativa de convencer o meu semelhante, a medida não-científica é covarde. Entretanto, para a satisfação do meu ser, ou para o entendimento dos meus próprios caminhos como ser humano, minha própria definição, é disso que precisamos.
Pensar ideologicamente tem sido um hábito de péssimo gosto no nosso meio social. Não se pode formular uma frase sem citar a memória de um morto. A ideologia está em estado terminal: o capitalismo é um velho folgado e arrogante que permanece clamando as vantagens de sua juventude. O socialismo e seu primo, o comunismo, ainda se vêem no luxo de dar esmola.
O levante de ideias para fazer curativos às antigas ideias impedem o ser humano de dar um passo a frente. O atraso maior está em diariamente tentar, ainda, validar ideias falidas. A novidade, então, é sinônimo de avanço?
Atraso é violência. Se levarmos isso em conta, o Brasil ganha uma legião de companheiros. Atraso é o cerceamento da liberdade, e levando isso em conta, temos um monte de países mais atrasados em relação ao nosso, considerando até mesmo os nossos ícones de avanço. Atraso é alienação. Atraso, de verdade, é tentar ir em busca de um topo imaginário, mesmo que historicamente, temos bem claro que isso é impossível. Atraso é mentir para si mesmo, e viver guiado pela mesma ideia, dia após dia, sem se dar conta de que estávamos errados. Atraso é viver sob uma medida de comparação com um topo, sem nos dar conta da miséria que está ao nosso redor. Atraso é não se dar conta da miséria. Atraso é não se dar conta de nenhuma miséria. Atraso é acreditar que se chegou a algum lugar enquanto ainda nos odiamos sem saber porque. Atraso é se matar por poder, e regozijar-se com isso. E acredito que o auge do atraso é querer rotular qualquer pensamento que está isento de ideia, sendo apenas um pensamento, um direito de ser humano, um sopro de humanidade excluído da obsessão de ser científico, político.
No imaginário comum, o país que está no topo é diferente do antigo, do inimigo anterior. Um país como os Estados Unidos jamais seria comparado à Inglaterra e às suas atrocidades, porque os resquícios de positivismo nos faz crer todos os dias que o hoje sempre será melhor que o ontem, rumo ao portão do paraíso. Isso não existe. E um país como a Inglaterra, não teria sido violenta e injusta como foi a sua potência anterior, a Roma. E é claro,a China, Japão, e Vietnã nunca existiram. O Egito e a Arábia Saudita nunca existiram. E o Brasil, ou a América, jamais existiram. Sempre fomos atrasados, todos nós, o mundo inteiro e comum.
Está tudo errado.