Pular para o conteúdo principal

Estrelas no Céu Escuro

Eu exijo meu direito de, em paz, poder ser triste
De sentir aquela coisa amarga e rude
Aquela coisa áspera e sem consideração,
Uma dor espinhosa, apimentada no estômago,
Tão inconveniente e segura de si
Uma coisa plenamente certa de que sabe o que quer fazer.

Tão sem necessidade de recorte
Ou compartilhamento
Tão sem filtro ou disfarçamento
A mais pura loucura de humanidade
Exijo.

Exijo que eu possa descer ao fundo do poço
E fique lá recostado
E que faça amizade com os mais pútridos organismos
E que sabote repentinamente até o meu lugar no ciclo da vida
Uma vez que a superioridade em ascender
Não entende a simplicidade no permanecer, por necessidade.
Uns vivem em casas, outros em poços.

E quando virar a esquina, e nada encontrar
Apenas um monte de desconhecidos
Ou apenas um grupo de possíveis semelhantes
Ou de semelhantes distanciados
Ou de distantes amontoados...

E quando virar a esquina,
E esperar o telefone tocar, o email chegar
Ou quando nada vier na tela do celular
Quando tudo isso de fato me abandonar
Quero o meu direito de perceber
Que estou sozinho, ilhado, rodeado de apenas ar.
E quero silêncio
Para ouvir apenas os meus ruídos
A minha ruminação estilística
O meu narcisismo comiserado

Exijo consideravelmente
Esse meu direito de pobre demente
De ser digno de dó
Olhem-me com pena, sintam asco e medo de me ser
Não exijam piedade ou recomendação
Vejam aqui, a experiência que se digna valer no coração
Passem, ou não
Atentem, ou não
Ignorem, estarei preso por mim mesmo
Acorrentando a essa doce maldição
Nessa auto destruição necessária
E perceba, em mim, o reflexo
De qualquer um que poderia ser.

E saiba que por um momento
Enquanto a tristeza flerta com a vontade de vida e de morte
Estarei ali, diante de tudo o que nos compõe
Entenderei o que há de mais nítido e de mais claro
E ressurgirei por esta via

Menos vidro, mais vida
Menos roupa, mais corpo
E no escuro céu não veremos estrelas

Esse meu direito de ser humano
Exijo.

Postagens mais visitadas deste blog

PC Siqueira

Foi extremamente triste a morte do PC Siqueira. Nem toda morte é triste. Há mortes que acontecem, e a tristeza fica na saudade, mas nos sentimos felizes por aquela pessoa ter existido. No caso do PC, eu não comentava nos vídeos dele mas sempre o assistia.  Eu sempre defendi que o PC Siqueira por causa daquele infeliz caso, ele não foi aquilo do que todos o acusavam. PC Siqueira era depressivo, e em quadros graves, quando a doença está fora de controle, o depressivo se torna autodestrutivo, inconsequente, não se permite limites. Isso em todos os aspectos: físico, social, mental, emocional, não importa. A pessoa simplesmente não se importa com mais nada. Eu acredito que naquele comentário o PC já estava tão aquém dos limites do que choca as pessoas que ele foi lá e simplesmente disse. Ele pensou "eu me odeio, minha vida é uma merda, foda-se, eu vou dizer, e foda-se" e ele disse, e aquilo trouxe toda a reviravolta para a vida dele que o colocou nessa rota de loucura e solidão. E...

Ciência da Humanidade

Peço desculpas ao rapaz da IBM que estava lendo o livro de Richard Dawkins, Deus: Um Delírio, e que foi rapidamente atacado por mim, por falta de coragem de encarar que existem realidades diferentes da minha. A matemática sempre me fascinou. Não só a matemática, mas tudo o que a usa como ferramenta, os números, a filosofia, a física, a biologia, a química, a engenharia, a economia, as ciências da informação, as ciências dos softwares, as linguagens de programação, a música, a pintura, a astronomia, a poesia, a eletricidade, tudo o que se originou da harmonia dos números, tudo isso pra mim é arte. Se existe algo que já me incomoda faz muito tempo nos sistemas educacionais do Brasil é essa distinção cada vez mais forte entre Ciências Humanas e Ciências Exatas. Eu ouço essa dissociação como o som de uma facada no meu peito, isso realmente me dói e me incomoda. Para mim tudo é ciência humana, até mesmo a matemática. Eu sempre me lembro da frase de Darcy Ribeiro que disse certa vez...

Devaneio de um Sonho

 Eu vejo a distância a morte de uma flor Primeiro ela para de crescer, numa decisão impetuosa A cor que desvanece, empalidece, esmorece. O perfume cheira a frio e a saudade. Pouco igual ao fim de um espetáculo Testemunho o longo adeus, se recolher Dá-lhe água, adubo, carinho ou amizade Ela existe mas para de viver. Na veia corre o sangue em aflição Pois mesmo queira a flor se extinguir Mais forte sinto ainda o desistir. Pra que escolho esta flor como objeto? Servir como o frescor de um novo amor? Ou o consolo expurgo desta dor? Como a vela em dia claro, sob a luz ardente Não quero que se vá, que me deixe, que termine Como pés cansados num deserto transcendente Pende a pétala no instante em que decline. E as pétalas as deixam, avassalada Uma morte por dia, a flor que emudece Mas menos que um sopro de vida: Ao cadáver de pé, uma prece: Tenta, a vida que se arrasta, arrasta ainda e segue.