Pular para o conteúdo principal

Glassworks

Se flutuasse uma pedra
Nessa água imensa
Como as coisas se diriam?

Se cortasse a árvore
Com tronco, galho e tudo
Mas ela não caísse
Como explicaria?

Se o vento que ventasse furioso
Não movesse nada
Ou se todas as coisas na verdade
É que movessem o vento?

E se o gosto de tudo
Fosse do gosto do nada?

E se a interrogação
Não fosse interrogação
Mas pura exclamação
De uma simples insatisfação?

E se o simples fosse
Tão simples ou mais pudera
Que fosse tão complicado
Que seria simples de se explicar?

E se o menino que não sabe nada
Soubesse mais do que o necessário
Do que é necessário ser sabido?

E se nada se formasse
Desse nada?

E se todo movimento
Não tivesse direção
Ou toda direção
Não tivesse caminho
Ou se todo caminho
Fosse puro, transparente
E sem movimento?

E se toda alma fosse cética
E todo ceticismo tivesse a fé
De que cada alma é como uma pedra
Que flutua sobre água
E que não se explica
E que não se move
E que não pode
Ou satisfaz
Ou não sabe
E não tem gosto
Ou cheiro
Ou som
Do nada?

A resposta mais certa
Entre o aplauso do circo
E o momento de ir embora.
Entre o aplauso de pânico
E o momento de ir embora
A resposta mais errada

E se houvesse alguém
Que enquanto o mundo se danifica em transformação
Não se importasse em simplesmente
Virar expectador diante de tudo
Quando tudo perdeu o movimento ou a cor?
O que diria do morto que não quer se deitar?
Do pássaro que sabe das asas que tem
Mas não quer voar?
Da flor que se orgulharia de sua beleza
Mas opta por murchar?

Como se dá discernimento do deus que tudo pode
Mas tem preguiça de tentar?

Maravilhoso uivo de tristeza na campina alta
Menino menina de braços abertos
Sorri chora alegretristemente

Quando perde o gosto de tudo
Lembrou-se de si
E lembrou-se de si
E lembrou-se de si
E lembrou-se de si.
E lembrou-se do primeiro choro no mundo.
Mas quando perde o gosto de tudo
Não volta como era antes.

No porto da despedida
Metade que fica vai
Metade que vai fica
E quando volta
Volta mais medade do já que foi
E fica mais dobro do que já foi

Mas e se o barco afundasse
Na água?
Ou a água encobrisse o barco?
E tudo permanecesse igual?

E se a nossa importância
Não fosse nossa importância?

E se Deus não precisasse de nós?
Por que Se importaria?

E se o fogo queimasse mas não doesse?
Valeria tentar?

E se a luz não iluminasse?
Ou se o vidro não deixasse passar
Ou se a imagem que ele nos mostra, fosse aquilo que queremos ver?
E se o reflexo do retorno nos mostrasse diferentes?

E se a curiosidade não resolvesse nada?
E se a resolução não fosse o bastante?
E se percebessemos que temos mais dentro
Do que fora?
E se o que tem dentro não fosse o suficiente?
Ou se o suficiente não fosse o bastante?
E se o sonho não fosse o bastante?

Como se a bondade não fosse o bastante.
O amor não fosse o bastante.

E se a vida simplesmente não fosse?

Postagens mais visitadas deste blog

PC Siqueira

Foi extremamente triste a morte do PC Siqueira. Nem toda morte é triste. Há mortes que acontecem, e a tristeza fica na saudade, mas nos sentimos felizes por aquela pessoa ter existido. No caso do PC, eu não comentava nos vídeos dele mas sempre o assistia.  Eu sempre defendi que o PC Siqueira por causa daquele infeliz caso, ele não foi aquilo do que todos o acusavam. PC Siqueira era depressivo, e em quadros graves, quando a doença está fora de controle, o depressivo se torna autodestrutivo, inconsequente, não se permite limites. Isso em todos os aspectos: físico, social, mental, emocional, não importa. A pessoa simplesmente não se importa com mais nada. Eu acredito que naquele comentário o PC já estava tão aquém dos limites do que choca as pessoas que ele foi lá e simplesmente disse. Ele pensou "eu me odeio, minha vida é uma merda, foda-se, eu vou dizer, e foda-se" e ele disse, e aquilo trouxe toda a reviravolta para a vida dele que o colocou nessa rota de loucura e solidão. E...

Ciência da Humanidade

Peço desculpas ao rapaz da IBM que estava lendo o livro de Richard Dawkins, Deus: Um Delírio, e que foi rapidamente atacado por mim, por falta de coragem de encarar que existem realidades diferentes da minha. A matemática sempre me fascinou. Não só a matemática, mas tudo o que a usa como ferramenta, os números, a filosofia, a física, a biologia, a química, a engenharia, a economia, as ciências da informação, as ciências dos softwares, as linguagens de programação, a música, a pintura, a astronomia, a poesia, a eletricidade, tudo o que se originou da harmonia dos números, tudo isso pra mim é arte. Se existe algo que já me incomoda faz muito tempo nos sistemas educacionais do Brasil é essa distinção cada vez mais forte entre Ciências Humanas e Ciências Exatas. Eu ouço essa dissociação como o som de uma facada no meu peito, isso realmente me dói e me incomoda. Para mim tudo é ciência humana, até mesmo a matemática. Eu sempre me lembro da frase de Darcy Ribeiro que disse certa vez...

Devaneio de um Sonho

 Eu vejo a distância a morte de uma flor Primeiro ela para de crescer, numa decisão impetuosa A cor que desvanece, empalidece, esmorece. O perfume cheira a frio e a saudade. Pouco igual ao fim de um espetáculo Testemunho o longo adeus, se recolher Dá-lhe água, adubo, carinho ou amizade Ela existe mas para de viver. Na veia corre o sangue em aflição Pois mesmo queira a flor se extinguir Mais forte sinto ainda o desistir. Pra que escolho esta flor como objeto? Servir como o frescor de um novo amor? Ou o consolo expurgo desta dor? Como a vela em dia claro, sob a luz ardente Não quero que se vá, que me deixe, que termine Como pés cansados num deserto transcendente Pende a pétala no instante em que decline. E as pétalas as deixam, avassalada Uma morte por dia, a flor que emudece Mas menos que um sopro de vida: Ao cadáver de pé, uma prece: Tenta, a vida que se arrasta, arrasta ainda e segue.