Já perdi três amigos queridos por causa da violência. Dois dos três casos envolviam menores de 18 anos, e mesmo assim, eu sou contra a redução da maioridade penal.
Sociedade é formada por laços e relações complexas e logo tudo o que a compõe também é. Os problemas não são um botão de liga desliga que se resolvem de forma imediatista.
Quem cresceu em periferia e entende o que é de verdade a falta de oportunidade, o que é ver amigos e parceiros perdidos porque não tem realmente nenhum lugar para ir, não tem perspectiva, não enxergam uma saída, quem viu isso com os próprios olhos consegue sentir que reduzir a maioridade penal para 16 anos é uma medida paliativa e só vai servir pra aliviar a ilusão de gente que tem uma cabeça enclausurada na falsa segurança de um condomínio.
Mas a bomba tá aí fora, pronta pra explodir. Reduzir a maioridade penal não vai diminuir a criminalidade. O que reduz a criminalidade é dar oportunidades e condições para todos. É ter escola pública de qualidade, porque não é mérito algum derramar suor, isso aí é resquício de escravidão, chega a ser até humilhante você demorar anos pra conseguir uma coisa, porque tem que dividir o seu tempo de estudos com trabalho, pagar contas, assumir responsabilidades, enquanto que o seu vizinho, que tem a benção de ser financiado por alguém, que tem incentivo, motivação (e isso faz uma puta diferença na vida de uma pessoa), vai muito mais longe.
Eu tive família, meu pai veio do nordeste com pouca escolaridade e comeu o pão que o diabo amassou. Minha mãe teve o ensino médio e sofreu preconceito pra caramba, mas eles se mantiveram firmes. Se você acha mesmo que todo ser humano precisa passar por essa provação de caráter pra conseguir as coisas, se você quer apostar mesmo na força de espírito de cada um desse país, então boa sorte. Mas acho que teríamos um país muito mais feliz se as pessoas não precisassem sofrer tanto para conseguir conquistar seus sonhos.
Nosso país nunca investiu na educação dos mais pobres, enquanto somos obrigados a ver um desfile pomposo de ostentação nojenta de uma elite arrogante, alienada, oportunista e hipócrita. Onde eu vejo que a minha categoria sofreu com uma greve de mais de 80 dias e saiu humilhada, sem conseguir nada do que reivindicou. Onde o professor é visto como um vagabundo, e não como um profissional que merece ser respeitado, que estudou e estuda diariamente pra pelo menos despertar a vontade de saber de uma nação completamente ignorante. Onde temos cada vez menos leitores e cada vez mais consumidores. Vivemos em um país que ridiculariza e escracha quem gosta de aprender, e exaltamos a esperteza de passar a perna em alguém. Não conhecemos nem os nomes dos nossos maiores pensadores e cientistas nacionais, mas sabemos prontamente quem são os que tem mais poder de bagatela, os mais ricos. Nosso país é violento porque vemos toda hora alguém gritando que tem o direito de se expressar, mas eu mal vejo pessoas exigindo o seu direito de ter silêncio para refletir um pouco, reorganizar as ideias, avaliar se até este ponto da vida você está certo do que está pensando, fazendo ou seguindo. Acho que estamos num tempo em que todo mundo está falando demais, como se o tempo todo estivessem gritando no seu ouvido e você não conseguisse nem saber quem ou o que você é.
O que torna nosso país violento é a epidemia de burrice emocional e intelectual que nos assola. Falta mais humanidade e menos gritos de ódio e vingança