Pular para o conteúdo principal

Lúmen

Exceto pelas vezes em que desliguei as luzes de casa, fechei as janelas, adornei-me em fantasias e imaginações, eu nunca soube antes o que não era ser só. Mas sou completamente, e só, e plena, mas realizada.

Eu entro aqui no meu quarto, nessa luz, nesse etéreo, e quem vê, vê loucura, vê incoerência ou má função de personalidade. Eu vejo eu mesma, da forma como sou, ainda percebendo em tudo o que falta, aquilo que deveria ainda ser. Muitas coisas hão de vir.

E é tudo muito simples quando eu chego da escola, deixo meus materiais na mochila, sento no meu canto da imaginação e divago o possível impossível da minha cabeça. Sou uma feiticeira, uma elfa, uma maga, uma bruxa com poderes extraordinários e que me salvam dessa loucura toda.

Certa vez me deitei no travesseiro, no chão, olhei para o lado, debaixo da cama, encontrei uma floresta vasta, imensa, desmedida, detalhada, repleta. Música de flauta, tambores e cordas vinham até minha cabeça. Era um rito, uma festa, uma cerimônia, um agradecimento.

Estou na floresta, e seres inexistentes somente na minha cabeça me pegam pela mão, me carregam para as profundezas, onde verde, marrom e negro se misturam, trespassados, aqui e ali, por um feixe ousado de luz, tornando tudo muito cristalino e vivo, e pela mão sou levada, e sou posta no meio do círculo, e eles dançam em volta de mim. É uma cerimônia para mim.

Escuto tantos sons, maravilhada, de coisas que não sei os nomes. Posso eu ser a Eva deste lugar? Sei que foi Adão quem nomeou o mundo, mas Eva teria feito um trabalho melhor, mais preciso, mais necessário para quem eu sou.

Um lago, verde, esmeralda, intenso, enigmático, misterioso, ele me chama, não sei o que me diz, mas é bom, eu sinto que é algo bom, quero me jogar nele, quero me banhar nele e me sentir plena, purificada, eu sei que algo lá no fundo está me dizendo pra não ter medo.

Me serviram uma cesta de frutas frescas, frutas novas, não sei os nomes, não preciso dos nomes. São doces e cítricas, são azedas e macias, são gostosas. Me serviram uma pratada de raízes com folhas, e eu comi. Não se serve a carne aqui, a vida é sagrada, tudo aqui é sagrado, esse ritual é sagrado, eu sou sagrada.

Um vento fresco abre a porta, abro os olhos, meu teto, minhas luzes, minha vida, eu, plena, importante, necessária. A vida me chama, e estarei pronta pra ela. Meu travesseiro é meu conforto e tudo o que tenho é tudo o que preciso pra ser completamente feliz.

O celular vibra. Bom dia pela janela.

Oh, veja só, estou sendo amada, por alguém.

Postagens mais visitadas deste blog

Ciência da Humanidade

Peço desculpas ao rapaz da IBM que estava lendo o livro de Richard Dawkins, Deus: Um Delírio, e que foi rapidamente atacado por mim, por falta de coragem de encarar que existem realidades diferentes da minha. A matemática sempre me fascinou. Não só a matemática, mas tudo o que a usa como ferramenta, os números, a filosofia, a física, a biologia, a química, a engenharia, a economia, as ciências da informação, as ciências dos softwares, as linguagens de programação, a música, a pintura, a astronomia, a poesia, a eletricidade, tudo o que se originou da harmonia dos números, tudo isso pra mim é arte. Se existe algo que já me incomoda faz muito tempo nos sistemas educacionais do Brasil é essa distinção cada vez mais forte entre Ciências Humanas e Ciências Exatas. Eu ouço essa dissociação como o som de uma facada no meu peito, isso realmente me dói e me incomoda. Para mim tudo é ciência humana, até mesmo a matemática. Eu sempre me lembro da frase de Darcy Ribeiro que disse certa vez...

Na Praia

Contempla a pedra una o nascimento Do suntuoso Astro que se lança Como o materno elance tua brasa Extirpa da minha vida o lamento. Beija-me os pés com tal candura A alma que imortal e majestosa Clara, tão macia e arenosa Da vida, abranda a desventura. Dança com o silvo de uma brisa Restaura-se o grão o teu domínio Incauta testemunho-lhe a misa A carícia que faz-me a imagem. Já não mais soa como o eterno toque Que na memória o gesto imortaliza Vez a vez se aparenta-se imponente A cena que comove-me o enfoque. Cavalga mar adentro a ventania Prata e prata no celeste horizonte Manto líquido, tua sabedoria Áspero, feroz limpa o Flegetonte. Olha a pedra do flamejante prenúncio Do grande Astro que o braço repousa A ocre cor que em seu leito se esconde Salva-se o mar perene de silêncio.

Tua Palavra

Palavras como fios E teus dedos costurando Um caloroso manto Para minha sombria alma. Palavras, que como pão Desta tua fome tão antiga Onde cada sílaba que canta Vira a ceia da minha calma. Palavras, como tuas mãos Que quando escreves meu nome Eu sinto O calor do teu gentil enlaço. Palavras como a brisa A brisa que te trouxe até mim No alívio das noites infernais Na doçura dos teus braços. E se ousa um dia duvidar Da força daquilo que escreve Lembra: O mundo que antes era só escuridão A vida que antes era nada Começou tudo, até amor Pela Palavra.