Pular para o conteúdo principal

A Palavra

E tenho dito
Palavras demais que enclausuram o ser
Onde as coisas não deixam de ser as coisas
Onde as coisas passam a ser uma coisa só

Que eu desaprenda a falar
Desaprenda o sentido das coisas
Desaprenda a utilidade das coisas
E me padeça no glamour da inutilidade

O coração vende quando dá
Não quero
Quero mendigar, distribuir sem pudor
Aquela coisa não programada
Abaixo à recompensa!

É anti natural, é insanidade
Mas é assim mesmo
Antes de tudo, é uma escolha

Por que então dizer quando basta?

O cheiro do café pronto
O cheiro de vapor e sabonete do banho quente
A cama ainda quente
O sofá ainda quente
O corpo quente
Um olhar só porque você me viu
Aquele olhar que diz: que bom que está aqui
E estou em qualquer lugar
Não num lugar especial, eu sei
Todos os lugares viram especiais
Percebemos a validade das coisas
Desaprendemos a validade das coisas
Ignoramos a validade das coisas

Aquele andar pela casa, que salta o coração
E você só estava indo pra cozinha
O apito do bule trinou, vai fazer um chá
Aquele cantarolar murmurado, tímido, pra espantar
Aquele som que é um zumbido de abelhinha
Que cerca a natureza com sua natureza
Mas pode ser algo não programado
Não escrito
Não dito

Acordar, e ter uma mensagem do lado da cama
Um restinho de farelo de pão na mesa
Vestígios de que a casa não é inanimada
As vibrações de que você estava ali
Como se as paredes ainda estivessem suspirando
Ah, ela...

Às vezes sinto que não percebes
Mas este mundo te observa, como a um raro evento

E se eu morasse dentro de uma aurora boreal?
Aquela anarquia de cores
Vermelho, azul, verde... rosa ou vermelho?
Fica pra decidir, tanto faz, a beleza é mútua.

Os rastros que deixa
Dão-me a sorte da palavra-não-dita.

Postagens mais visitadas deste blog

Ciência da Humanidade

Peço desculpas ao rapaz da IBM que estava lendo o livro de Richard Dawkins, Deus: Um Delírio, e que foi rapidamente atacado por mim, por falta de coragem de encarar que existem realidades diferentes da minha. A matemática sempre me fascinou. Não só a matemática, mas tudo o que a usa como ferramenta, os números, a filosofia, a física, a biologia, a química, a engenharia, a economia, as ciências da informação, as ciências dos softwares, as linguagens de programação, a música, a pintura, a astronomia, a poesia, a eletricidade, tudo o que se originou da harmonia dos números, tudo isso pra mim é arte. Se existe algo que já me incomoda faz muito tempo nos sistemas educacionais do Brasil é essa distinção cada vez mais forte entre Ciências Humanas e Ciências Exatas. Eu ouço essa dissociação como o som de uma facada no meu peito, isso realmente me dói e me incomoda. Para mim tudo é ciência humana, até mesmo a matemática. Eu sempre me lembro da frase de Darcy Ribeiro que disse certa vez...

Na Praia

Contempla a pedra una o nascimento Do suntuoso Astro que se lança Como o materno elance tua brasa Extirpa da minha vida o lamento. Beija-me os pés com tal candura A alma que imortal e majestosa Clara, tão macia e arenosa Da vida, abranda a desventura. Dança com o silvo de uma brisa Restaura-se o grão o teu domínio Incauta testemunho-lhe a misa A carícia que faz-me a imagem. Já não mais soa como o eterno toque Que na memória o gesto imortaliza Vez a vez se aparenta-se imponente A cena que comove-me o enfoque. Cavalga mar adentro a ventania Prata e prata no celeste horizonte Manto líquido, tua sabedoria Áspero, feroz limpa o Flegetonte. Olha a pedra do flamejante prenúncio Do grande Astro que o braço repousa A ocre cor que em seu leito se esconde Salva-se o mar perene de silêncio.

Tua Palavra

Palavras como fios E teus dedos costurando Um caloroso manto Para minha sombria alma. Palavras, que como pão Desta tua fome tão antiga Onde cada sílaba que canta Vira a ceia da minha calma. Palavras, como tuas mãos Que quando escreves meu nome Eu sinto O calor do teu gentil enlaço. Palavras como a brisa A brisa que te trouxe até mim No alívio das noites infernais Na doçura dos teus braços. E se ousa um dia duvidar Da força daquilo que escreve Lembra: O mundo que antes era só escuridão A vida que antes era nada Começou tudo, até amor Pela Palavra.