Procurei a psicóloga, e tentei reiniciar o tratamento que eu havia interrompido em 2010. É aqui que a memória me trai, então muito do que eu vou dizer pode ser apenas fantasia minha, pra tentar não ir diretamente aos motivos da minha dor emocional. E por isso é tão complicado falar de depressão da perspectiva do doente, porque o doente depressivo está longe de ser um realista. Ele sempre se vitimiza, quando as razões da doença tem mais origem numa permissividade dos eventos, bons ou ruins, e numa falta de imposição de ser. Pelo menos é como eu entendo hoje em dia.
Comecei dizendo sobre a minha separação, e, novamente, os motivos são totalmente parciais, pois existe também a dor da separação do outro lado, da minha ex-companheira. Vamos chamá-la da Kátia.
A Kátia foi um romance que surgiu na adolescência. Nos conhecemos em 2000, eu acho, numa festa de família. Eu tinha quase 15 anos e ela 19. A razão por eu ter me apaixonado foi a das mais banais para alguém que sofria de uma profunda falta de auto estima: ela havia sido a primeira pessoa que eu percebi que me tratava com respeito.
Eu achava, quando era criança, que os maus tratos que eu recebia em casa e na escola, eram merecidos, porque afinal eu era esquisito. Eu me refugiava em universos de fantasia como histórias em quadrinhos e videogames, porque não queria lidar com coisas da realidade que eu considerava incongruentes, como relacionamentos, festas, estas coisas. Na cultura da minha família existe uma constante necessidade de se fazer barulho ou estar em movimento. Eu achava que deveria ser desta forma, mas algo em mim dizia que eu deveria agir de forma diferente.
A Kátia percebeu essa frágil luz diferente dentro de mim por ser o único que não estava participando da festa. Eu não participava por ser tímido, e não por causa de uma reclusão e introspecção consciente. Para ser honesto eu nem sabia o que significavam estas palavras na época, mas eu era recluso e introspectivo. Eu não sabia que era anormal eu não sair com os amigos todo final de semana ou fazer coisas com base nos meus impulsos, coisas que provavelmente preocupariam meus pais. Eu tinha um medo profundo de decepcionar meu pai por agir como todo mundo agia: negligência com a escola, porque afinal, para que serve a escola senão para ditar o que não queremos fazer? Ser uma criança mais espontânea e sociável, que tinha amigos, que decidia as coisas que queria ou impunha suas vontades. Ser uma criança que brincava na rua e desenvolvia sua personalidade. Na minha cabeça, ter personalidade era algo para qualquer pessoa que não fosse eu, porque eu mesmo jamais poderia ser ou ter algo, e para mim estava tudo bem. Eu não deveria querer ser alguma coisa, apenas por ter me inspirado em alguém. Se fosse para eu ser algo, que fosse alguém original, e como eu não era, tratava como se o destino tivesse feito de mim uma pessoa descartável e comum, alguém que era passível de ser ignorado. E mal sabia eu o quanto estas coisas me machucavam na época. A dor que eu sentia também, poderia ser fruto de uma personalidade fraca, então eu deveria apenas me contentar em não ter personalidade alguma, ser ignóbil, ser comum, ser o alvo do riso e chacota, e tudo bem, eu havia nascido daquela forma e não haveria nada que eu pudesse fazer. Mas a Kátia, com poucas conversas, me mostrou que não, que eu não deveria ser passivo daquela forma, e foi a primeira vez que alguém acendeu em mim a chama da rebeldia.
Mas a Kátia era uma jovem de 19 anos em direção à sua liberdade, e precisava vivenciar ao máximo a sua juventude, por isso, e eu entendi por muito tempo, ela desapareceu. Afinal, pensava eu, por que teria de se amarrar com um garoto de 15 anos que mal conhecia a si mesmo? O que teria eu de compartilhar sendo que a minha vida era tão sem graça? Eu entendia, mas eu senti uma dor tão lancinante, justamente por ser esta pessoa tão sem graça.
Numa série de idas e vindas, Kátia e eu nos reencontramos em 2007, retomamos contato e também a amizade, que foi crescendo, e daí surgindo uma paixão, que se concretizou em 2009. Começamos a sair, nos envolver, e parecia naquela época que finalmente eu estava vivendo a vida, porque tudo o que fazíamos era novo e diferente. Viajamos juntos, saímos para lugares que ela conhecia, fazíamos coisas que eu nunca havia feito. Para ela, era com os estivesse feliz em me apresentar um mundo que esteve sempre ali para mim, mas eu nunca havia experimentado.