Uma lembrança carinhosa me aqueceu o coração esta manhã. Eu me lembrei do meu tio José Augusto Costa, o Tio Mestrinho. A gente chama ele carinhosamente de Mestrinho, ou Mestinho, porque ele aprendeu o ofício de sapateiro quando era criança, acho que com o meu avô, o Vô Costinha.
Meu tio cresceu e viveu de sapatos, e durante um tempo veio morar aqui em casa. Eu queria ornar com lembranças inocentes de criança, mas eu acho que absorvi demais do sentimento de incômodo dos meus pais, e por muito tempo isso me envenenou, por muito tempo eu vivi uma mágoa.
Acho que hoje isso finalmente dissipou, afinal, eu era criança, todos nós éramos crianças. Os problemas que aconteceram entre meus pais e ele, eram coisas de adultos, e sinceramente, até hoje eu não sei o que foi. Acho que não importa.
Lembro que meu tio às vezes deixava o cabelo crescer, e ele tinha uma cabeleira encaracolada que deixava o rosto dele bem charmoso. Lembro também que ele tinha um furo no queixo, aquilo era curioso pra mim. Ele dizia que tinham furado com a faca, e eu ficava imaginando.
Meu tio Mestinho é um homem apaixonante, ele tem uma fala forte e intensa, dança muito, é apaixonado pela vida, adora jogar futebol, adora passarinhos, gosta de andar de bicicleta. Ele é um eterno menino, e acho que é por isso que eu me encantava tanto com ele quando era criança, porque ele parecia ser o verdadeiro amigo que eu não tive. O amigo que não faz com que eu sinta vergonha de mim mesmo, o amigo que ajuda eu acreditar que ainda posso, mesmo o mundo me dizendo o contrário.
Nunca vou me esquecer de que foi ele quem me ensinou a jogar futebol com confiança, e de que foi ele quem me ensinou a ter coragem pra enfrentar quem me aborrecia.
Meu tio Mestinho mora hoje em Sergipe, Simão Dias, ele parou de beber e de fumar, o que é muito bom pra saúde dele. Ele já era religioso quando era jovem, mas hoje se dedica muito mais à sua fé, à família, aos netos. Eu queria que estes netos dele soubessem a sorte que tem de ter um avô como meu Tio Mestinho.
Tenho muitas saudades dele e de minha Tia Nira. Se meu tio era o "meninão", minha tia Nira era a adulta que cuidava das coisas.
Meu tio a alegria e o carinho de pai, minha tia a proteção da mãe. Não sei dizer, é como eu via as coisas naquela época, é como eu vejo as coisas hoje.
Como um adulto eu tento me colocar na pele deles, tento sentir o que eles poderiam ter sentido em tantas dificuldades que viveram juntos, com tantas mudanças para o Rio de Janeiro e para São Paulo, vivendo em casas simples, os alugueis, as dívidas, a separação das filhas, as tristezas e golpes que a vida nos dá.
Mas uma coisa que sempre vou me lembrar de meu tio Mestinho é o carinho e amor que ele sempre teve por toda a família.