Já estive tão absolutamente pleno de amor por tantas vezes na minha vida. Eu escrevo muito sobre amor, sobre solidão, sobre o sofrimento que é o abismo entre os dois terrenos, e sobre o marasmo que é a ponte que os conecta. Por quanto tempo trafeguei por estes caminhos?
Eu uso o amor como o refúgio pra esse mundo caótico? De que adianta escrever sobre o óbvio? O egoísmo e a mesquinharia de quem está no poder, que não é diferente do que a mesquinharia e a ganância de quem já esteve no poder antes. A arrogância de fazer de si mesmo a licitude em forma de pessoa, com as mãos abertas espalhando as migalhas da misericórdia. E se não fosse o amor, e a capacidade de amar, de saber que ao menos alguma coisa somos capaz de preservar em sua forma original, ou ao menos, de fazer bem, não teria já enlouquecido? Não seriam os criminosos mais sórdidos aqueles que sofreram a vida inteira da ausência do amor verdadeiro?
Ou será que me engano sobre mim? Será que em mim eu sou apenas aquele que se convence que sua vista do horizonte é mais correta do baixo prumo de uma rua suja, do que ao invés o horizonte de quem sobe até a torre mais alta de um castelo? Um castelo que, por mais esplendoroso que seja, se ouvirmos com atenção, por trás da rigidez de suas formas simétricas poderemos ouvir o eco do sofrimento dos homens de todos os tempos passados?
Já estive absolutamente cercado de amor, e o estado passageiro das coisas é a dor que pode levar qualquer pessoa a insanidade. Mas a racionalidade do nosso tempo é a âncora que me impede de ir à deriva. Porém a âncora pende em mar profundo, onde não há nada além de céu e mar, um eterno azul sem forma e sem distinção.
Sim, já amei mais do que muitas pessoas um dia imaginaram poder, e não porque sou abençoado por alguma luz divina ou especial. Amei porque escolhi amar. Amei porque assim pretendi, e amei sinceramente, mesmo que houvesse vírgula ou causa improvável, amei mesmo sem desconfiar. O coração é uma massa de gordura que pulsa apenas o suficiente para sobreviver, o restante é meramente invenção, delírios para dar sentido à existência. Cada um se agara àquilo que mais lhes apetece. Nada disso é genial, nada disso está acima da média. A inteligência não é acima da média pois bóia na superfície, enquanto todos os demais sufocam-se em sua própria imundície nesse mar de mentiras e confusões.
O coração sangra conforme as lembranças riscam a memória. Um gesto que se copia no lastro de um tempo que só existe porque tudo definha. Eu faço a mesma coisa que fiz cinco anos atrás, e ainda assim, sou e não sou a mesma pessoa simultaneamente. Posso dizer a mim mesmo o quanto sou diferente ou igual, o quanto posso carregar minha postura diante de todos para um molde, ou completamente amarrar-me no açoite da indecisão mais que profusa.
Um último respingo de aviso pelo que se aloja em uma mente já completamente destruída. E que sequer deu metade dos passos que deveria. Não é preciso de olhos para saber o que é a vida.