O sonho do oprimido é ser o opressor.
Nas aulas de sociologia de países como o Brasil essa é uma frase que vai surgir a qualquer momento. Um aforismo que já foi tão reproduzido que é difícil saber quem atribuir, por causa de suas diversas variações.
Lá nos anos 90 falou-se muito sobre a Globalização e a tendência de um futuro em que grandes nações não veriam mais fronteiras, estenderiam seus comércios para além de seus próprios países, abandonando o nacionalismo, formando assim uma troca de mercadorias em escala global, ou a Globalização. Junto com essa troca de mercadorias há também a troca cultural, algo bastante recorrente entre nós. Temos que aprender a negociar com o parceiro, e para isso, temos entender como ele pensa, até mesmo adotar seu comportamento. É o básico do comércio.
Estas influências culturais entram nos países, ficam, são transformadas, alteradas conforme os recursos locais. Ideias nacionalistas tornam-se estranhas em uma realidade em que a cultura regional é uma espécie de quimera cuja origem fica difícil catalogar. Os sotaques, palavras, modos de pensar e vestir, tudo isso acaba ficando impresso no DNA cultural enquanto fazemos comércio com alguém.
No século XX a cultura tornou-se um produto. E esse produto não vinha apenas em forma material. O próprio produto material trazia em si a forma de pensar do seu país de origem. Era uma imposição de comportamento através do consumo. Assiste-se TV porque o mundo todo assiste TV. Come-se carne e produtos congelados porque o mundo moderno estrangeiro assim o exige. Pensa-se em carreira e em produtividade constante porque os países estrangeiros assim o fazem. E sente-se vontade de ser cada vez mais o outro e cada vez menos o seu local de origem, cria-se uma vergonha de si mesmo, uma auto sabotagem de identidade.
Apenas um adendo: não gosto de nacionalismo, ou regionalismo, sempre digo isso e sempre vou repetir: a bandeira serve apenas para vender porcarias e identificar para onde apontaremos nossos tiros.
Na questão de se importar mercadorias culturais, trouxemos filmes, séries, músicas, programas de TV, reality shows, uma perspectiva de se produzir mídia, uma espécie de pedido de permissão para se falar a mesma língua do mundo todo, mesmo que a língua do mundo todo seja apenas a língua de meia dúzia de lugares.
Quero destacar três reality shows que já fizeram muito sucesso aqui: Ídolos, O Aprendiz e Master Chef. O que estes três reality shows tem em comum é a humilhação.
O momento mais esperado dos três programas é aquele em que os jurados vão olhar para os competidores com dureza e autoritarismo para expor da forma mais cruel possível os seus erros. A pergunta que me faço é por que estes programas fazem sucesso entre as pessoas. Gostamos de ver o embaraço alheio? Gostamos da ideia de superação diante do fracasso? Gostamos de ver a pessoa se reduzir a nada, mesmo que competente na vida real, para ser forçada a uma humildade dentro de uma narrativa?
Sempre que ouvimos uma história tentamos buscar nosso ponto de identificação, e no nosso emocional, uma história boa é uma história em que conseguimos nos ver em algum personagem, para o bem e para o mal. Escolhemos nosso favorito, por quem vamos nos compadecer, e o nosso menos favorito, que vamos odiar. E quando o nosso menos favorito está diante do júri, é o momento da nossa vingança emocional, porque nele está representado o que mais odiamos em nós mesmos ou em alguma outra pessoa que esteve em nossa vida e nos machucou. Alguém que gostaríamos de devolver em humilhação toda a dor que nos causou. E através de quem conseguimos esse delírio catártico?
Diante de reality shows como estes, o personagem que mais queremos ser é o jurado. Ele que nos dá a oportunidade de sentir o prazer pela humilhação daquele arquétipo que tanto odiamos.
O sonho do oprimido é ser opressor. Mas isso quando damos mais prioridade às conquistas individuais e esquecemos que dependemos do coletivo. Isso quando estimulamos um espírito de competição alienada. Não consigo mais odiar estas pessoas, apesar da acidez da alma. Sinto pena pelo descolamento da realidade do que é ser humano. Não confundo aqui realidade com verdade. Entendo hoje (e apenas hoje) que verdade é algo transitório e o estímulo que nos leva a viver um dia de cada vez. Mas realidade humana eu quero dizer aquilo que esquecemos de sentir para conquistar essa posição fantasiosa de poder, unicamente para subjugarmos outras pessoas.
A riqueza material é a falência da humanidade, mas debater sobre isso leva rapidamente a tantas concepções rasas e acusações prontas de que eu devesse dar todos os meus pertences a alguém. Ainda assim, eu não consigo achar que é natural vivermos em um mundo onde algumas pessoas tem poder para mandar em governos, porém não gastam a mesma energia para alimentar quem não tem o que comer. Se eu faço? Quando posso. Se eu faria? Eu não sei. Cada pessoa segue adiante por um processo que a transforma no que ela é, e se eu fosse uma pessoa bilionária, talvez tivesse minha alma corrompida também. Eu não consigo chegar a um acordo honesto sem que pareça que a corrupção é compatível com a riqueza material. Mas parece que é um consenso que aquilo que a riqueza material representa desperta em nós o pior dos comportamentos, o de escravizar nossos semelhantes.
Certo homem importante lhe perguntou: "Bom Mestre, que farei para herdar a vida eterna? "
"Por que você me chama bom? ", respondeu Jesus. "Não há ninguém que seja bom, a não ser somente Deus.
Você conhece os mandamentos: ‘Não adulterarás, não matarás, não furtarás, não darás falso testemunho, honra teu pai e tua mãe’".
"A tudo isso tenho obedecido desde a adolescência", disse ele.
Ao ouvir isso, disse-lhe Jesus: "Falta-lhe ainda uma coisa. Venda tudo o que você possui e dê o dinheiro aos pobres, e você terá um tesouro nos céus. Depois venha e siga-me".
Ouvindo isso, ele ficou triste, porque era muito rico.
Vendo-o entristecido, Jesus disse: "Como é difícil aos ricos entrar no Reino de Deus!
De fato, é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus".
Os que ouviram isso perguntaram: "Então, quem pode ser salvo? "
Jesus respondeu: "O que é impossível para os homens é possível para Deus".
Pedro lhe disse: "Nós deixamos tudo o que tínhamos para seguir-te! "
Respondeu Jesus: "Digo-lhes a verdade: Ninguém que tenha deixado casa, mulher, irmãos, pai ou filhos por causa do Reino de Deus
deixará de receber, na presente era, muitas vezes mais, e, na era futura, a vida eterna".
Lucas 18:18-30