Se você um dia cancelou alguém, lacrou ou fez parte da destruição de reputações, parabéns, você se deixou levar pelo comportamento de época criado pela pior geração de todos os tempos.
Cancelar é uma cultura da rede social para reprovar publicamente o comportamento de alguma pessoa. Mas para apontar o dedo moral para alguém, sua balança moral deve estar igualmente intacta, e convenhamos, não existe esta coisa no que se trata de pessoas.
A questão não é exigir que a pessoa esteja exígua de moral. Eu sou a favor do refinamento moral, contanto que ele não se torne uma justificativa para a acusação alheia, afinal, ninguém está isento de sua identidade moral, e nós temos as nossas crenças e considerações daquilo que enxergamos como certo ou errado.
Só se exime de moral aquele que sabe perfeitamente que não é capaz de manter coerência na sua própria conduta por muito tempo. Também se abstém da moral quem ainda não tem a coragem de viver sob seus próprios termos, mas neste aspecto eu consigo entender as razões, ainda mais numa sociedade hipócrita como a nossa. Para isso cito um exemplo:
Você é homossexual e não tolera a monogamia. Sua conduta moral não consegue admitir estar com apenas uma pessoa, mas você sabe que viver abertamente dessa forma vai ter o seu grave custo social. Então você se abstém da moral para dizer que está vivendo nos seus próprios termos. Mas você não está se abstendo da moral, você está apenas fazendo parte de outra conduta moral.
Moral e moralismo são coisas diferentes, ao que parece. Eu entendo por moralismo todo comportamento que impõe sua conduta moral a outras pessoas. Essa imposição é barulhenta e bastante incômoda, tal como o cancelamento.
Eu vejo no cancelamento algumas características:
1 - A pessoa não consegue assegurar a própria postura e depende da posição de alguém que ela considera representativamente superior para ter o seu viés de confirmação.
2 - A pessoa é emocionalmente carente e precisa de alguém em quem se espelhar até quando puder dar conta de si mesmo. Talvez isso nunca aconteça.
3 - A pessoa é socialmente covarde e só age quando tem o respaldo de um grupo. O ataque de manadas.
Não é de surpreender o quanto isso tomou conta da política e pautou os debates considerados importantes. Também não é de se surpreender o quanto isso expandiu o reconhecimento de padrões das pessoas, mas de uma forma totalmente equivocada, e despertou um sentimento de paranoia coletiva.
Por causa das redes sociais e do cancelamento, todo mundo acredita estar sendo vigiado. Se você não faz parte do oceano das subcelebridades de internet, não se preocupe, você não está sendo vigiado. Esse sentimento é apenas a sua culpa de querer ser você mesmo, ou talvez seja o sentimento de perseguição por algo mal resolvido e que você ainda acredita ser responsável por isso.
É surpreendente o quão rápido as pessoas se esquecem das coisas. As marcas só ficam no alvo do cancelamento mesmo. É um ajuste coletivo de comportamento aceitável.
A solução mais rápida para isso é sair da rede social. Eu nunca vi esse mesmo tipo de atitude acontecendo quando se está de frente para o problema. Nessa hora voltamos à nossa maravilhosa essência de ignorar, fingir que não está ali, jogar para debaixo do tapete, e mais tarde, fantasiar em nossas cabeças a forma como deveríamos ter agido.