Cada poema que eu escrevi, não sei dizer se são bons, mas eu escrevi. Não tive pretensões, mas eu senti que precisava escrever. Não quis fama nem nada disso, só queria escrever. Talvez uma parcela de mim desejasse o reconhecimento. O poema é uma voz, e toda voz quer ser ouvida, porque ninguém quer ser o louco que fala sozinho aos ventos. Mas já parou para ouvir um louco falar? Ele traz um incômodo porque nos projetamos, então fingimos pressa para não ouvir. Ou até fingimos mais sanidade do que o próprio louco porque não queremos dar-lhe crédito pelas coisas que diz. Eu não sei se toda voz quer ser ouvida, mas eu gostaria de ser. Eu fui pouco ouvido durante toda a minha vida, disso sim eu tenho plena convicção, entao me acostumei a dizer o que as pessoas querem ouvir, e eu queria que as pessoas dissessem pra mim aquilo que eu quero ouvir. Dizem que comunicação é uma coisa impossível, a menos que digamos palavras de ordem. Talvez algum filósofo tenha escrito isso.
Cada poema que eu escrevi era como se eu estivesse tirando à força um pedaço de mim. Talvez eu estivesse tentando me compreender, por isso todos eles são sobre minha visão das coisas. Eu não sei sair de mim e falar de coisas que não estão em mim, ou que talvez sejam universais. Talvez eu precisasse assumir essa atitude mais honesta e admitir que eu posso falar de mim, e que isso não faz de mim medíocre nem nada. E mesmo que seja medíocre, eu posso estar em paz na minha própria medíocridade. Eu não quero explicar nada para ninguém. Como eu posso explicar alguma coisa para alguém num mundo tão cheio de certezas e verdades?
Durante muito tempo eu senti culpa por ser o que sou, eu senti culpa pelos meus erros, pelas minhas imperfeições, pelas coisas que a gente não consegue esconder na intimidade com as pessoas. Culpa é só o que eu carrego, e culpa é só o que me consome. E por culpa eu abro mão de mim, eu paro de ser eu mesmo e tento ser qualquer outra coisa. Aqui neste espaço, eu disse uma vez, em uma aula cheia de adolescentes que pouco se importavam com o que eu dizia, que aqui neste espaço, neste blog, que naquela única ocasião eu abri e fui adiante para que as pessoas lessem, aqui neste espaço eu não faço outorgas. Aqui eu sou quem eu quiser e como eu quiser. Eu preciso ser eu mesmo em algum lugar desse mundo, então porque não num espaço onde podemos ser o que a gente bem entende?
Eu estou exausto de interpretar este personagem que eu criei para que as pessoas não ficassem decepcionadas comigo. Se eu interpretar eu mesmo será que ainda serei amado? Então quando eu escrevo, eu sinto que sou eu mesmo, e eu sinto que as coisas andam no meu tempo, porque eu também tenho direito ao meu tempo, não tenho? Não tenho? Eu tenho que ter esse direito, nem que seja no momento em que me sento e começo a colocar os versos na ordem.
Eu passo horas e horas caçando palavras, sinônimos, rimas, significados nos dicionários, apenas para escrever um poema que eu sei que ninguém vai ler, e que ainda eu sei que pouca gente vai fazer questão de tentar entender o que está escrito.
Tenho alguns poemas que eu sinto orgulho de ter feito, e que quando releio depois de muito tempo, fico impressionado com o resultado, e orgulhoso da pessoa que eu era quando escrevi. Ainda lamento por que eu sei que a versão de mim que escreveu duvidava de si mesmo naquele momento. Isso é uma constante, eu estou sempre duvidando de mim mesmo, eu estou sempre, exaustivamente me desgastando da minha própria e duradoura necessidade de duvidar de mim mesmo. Eu tenho um temor absoluto de ter convicção de alguma coisa, como se fosse um autoflagelo. Eu não quero ser o assunto de uma pessoa que se torna refém das próprias mazelas, mas eu fui educado a ser assim a vida inteira, e passo a maior parte do meu tempo lutando contra mim mesmo para não ser isso.
Mas esse papel já deu o que tinha que dar, e ele precisa ser colocado sob o luto alheio. Que seja, eu estou exausto.
Cada poema, por mais que pareça bobagem aos olhos dos outros, é um atestado de que eu ainda estou aqui.