Todas as noites em que eu sonhava, não importava o tema ou as imagens, estava presente uma ponte que flutuava bem alto lá no céu. Não era uma ponte comum, em que era vista de baixo para cima, ela realmente estava flutuando no céu, cortando toda a dimensão do horizonte até onde eu pudesse ver, de leste a oeste, e não se conseguia ver o começo, ou o fim, por mais que eu fizesse um esforço, ou caminhasse por dez dias inteiros, ou pegasse uma carona com algum estranho, essa ponte não me permitiria saber o que se encontrava em suas extremidades.
Se eu sonhava que estava na minha sala de aula, lembrando das pessoas que fizeram parte da minha infância, ao sair da escola, eu notava cortando o céu azul aquela imensa ponte, em que as extremidades se perdiam em um caminho interminável. As risadas dos meus colegas indo em grupos ou em duplas para suas casas me despertavam um misto de alegria e isolamento.
Quando eu sonhava que estava andando sobre a areia da praia, ouvindo o som da espuma molhando o litoral, como se o mar estivesse sussurando seus segredos para o resto do mundo, com palavras que não conseguimos entender, talvez por estarmos aprisionados em nossos próprios mistérios, nestes sonhos de mar a ponte parecia viva sob meus pés, macia como areia molhada, afundando e sendo marcada com as minhas pegadas. O cheiro de sal preenchia o ar completamente, puro e limpo. Enquanto as ondas, como dedos que tentam me puxar para contar alguma coisa, seguiam o ritmo de uma balada de homens desesperados por companhia, com a ponte me chamando mar adentro, tentando me levar para as profundezas.
O que estaria do outro lado? Poderia ser, talvez, o lugar onde eu testemunharia o surgimentode todas estas imagens? Eu poderia apenas percorrer por esta ponte, e encontrar do outro lado o lugar onde todos estes sonhos são fabricados? Quem sabe as cidades abandonadas dando morada a todas as pessoas por quem me apaixonei, mas que nunca foram. As casas que sempre se parecem mais belas ou mais confortáveis do que as cadeiras em que nos sentamos. Ou talvez fosse o lar das estranhas criaturas que habitam nossos momentos de sono. A presença desta ponte era tão natural quanto a existência do próprio céu, conectando as duas distâncias do horizonte até onde a vista poderia alcançar.
Em dado momento a ponte começava a se desfazer, desintegrava-se no ar, e parecia que o mundo inteiro se despedaçava. Sentia meu corpo sendo tragado de volta para a superfície, e o macio da areia dando lugar às espumas do colchão. Despertava sempre, no meio da madrugada, ainda ouvindo os risos de muito tempo atrás, ainda sentindo o perfume cálido e quente da juventude, e ainda podendo ouvir o suave som do mar arrastando seu vestido nupcial sobre a areia branca e molhada. Meu corpo suado e frio estremecendo, sentia como se o coração estivesse profundamente pesado, submerso, mergulhado na surdez de uma multidão apressada, onde todos corriam sem se olhar.
O som do mundo parecia distante e abafado, eu estava violentamente sozinho como um peixe dourado em um aquário esquecido pelos moradores que viajaram havia muito tempo. Desejava mais do que nunca sentir o toque de alguém; desejava tanto quanto precisava respirar. Ainda que eu quisesse tanto, teria eu mesmo que acender a luz e começar o dia.
A caminho do que eu precisava fazer, passando por cima da ponte, mirava na distância os prédios com suas janelas refletindo, como se fossem gigantescos olhos de vidro que assistiam indiferentes as vidas que por eles passavam. Nas janelas do transporte havia também o reflexo de todas as pessoas que olhavam para o nada. Eu passaria por aquela ponte, noite após noite, manhã após manhã, e veria os rostos de todos, ainda que seus caminhos e os meus jamais se cruzassem novamente. E no fundo, de alguma forma que eu não saberia pronunciar, que atravessar a ponte me levaria sempre a desejar estar do outro lado.