Algumas pessoas tem um jeito tão belo de recontar a própria história, que eu decidi também recontar uma história de uma fugitiva que se vê como heroína. Aqui vai. Estava eu um dia em uma NAU, sério, eu realmente estive em uma NAU, não um barco, não um navio, mas uma NAU. Eu de repente virei o Maurício de Nassau, o Gigante Holandês, e saí colonizando tudo, até mesmo a minha insegurança, mesquinharia, avareza e infâmia. Porque se tem algo que eu realmente prezo nessa vida, é a minha necessidade doentia de parecer virtuoso para todo mundo que me conhece. Então aqui vai:
Tua nau, tão nobre, tão tua — que sorte!
Ergueu-se ilesa das marés... imaginárias.
Leva contigo tuas âncoras de autoaplauso.
Sopra teus ventos —
mas não esperes que eu os sinta.
E eu, que nem marinheiro sou,
Quase que naufrago por distração.
Foi acidental, não me preparei.
Como cruzar um desafeto no mercado da alma,
entre pêssegos e demoras.
Nada dramático - apenas inoportuno.
Tuas palavras são tambores
numa guerra que travas sozinha.
Teus monstros têm meu nome
mas o roteiro da tua peça é escrita minha.
Falas de “Narciso”, de “inveja”, de “infâmia” —
como quem se olha no espelho e faz rima.
Declamas fortaleza e liberdade,
mas em cada sílaba tua urgência de ser vista.
E não aplaudo estes, que tanto esforço fazem
Para que a alva túnica te caia em vaidade
Para que se lembre o gosto —
Cede-se ao teatro daquilo que busco na fonte
E é, foi só o instante…
Mas que durou o tempo exato da verdade.
E pode ser a maior encantadora de cobras
Que ao mirar as máscaras, murcham-se em dobras
Tu, tão corajosa, que vives em clausura
Tu, tão livre, que vive em debandada.
E eu disse, eu disse, idiota:
"Recolhe tua mão, não vale a pena!"
Que meu silêncio é domicílio.
Que meu desdém é trincheira.
Eu não tentei ancorar - apenas passei,
como a carreta que passa pela lixeira.
Mas se teu orgulho exige um vilão,
Que faça tua fantasia à vontade:
Sou o monstro de teus contos,
mas não o autor da tua tempestade.
Então sopra, musa indignada,
teus ventos do norte e teus versos aos céus -
mas lembra de quem vive de slogans de dignidade
e que raramente conhece o silêncio que requer.
Carrega esse teu doce exílio do teu mérito
Das histórias que não teve a coragem de viver
Acena essa tua bandeira da virtude
Para a hipócrita que você finge não ser.
Ergue altares a ti própria neste teu fingido espetáculo
Que ninguém paga, nem pede, nem pergunta
Este livro que escreves não mais que um opúsculo.
De quem sente ainda apreço a uma defunta.