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Resignação

Nunca te abriram uma porta Só te trouxeram este tumor Quando pensava que colher flores Era um gesto válido de amor. Mas olha só pro que colheu Olha bem pro que tem em tuas mãos O que tolheu a vida inteira, já morreu E o solo onde pisa não é ramo, é chão Trouxeram-te um drink Está aí em cima Trouxeram-te até A tentativa tola de um verso fazer rima. Sim, te elogiaram os sapatos Ou até mesmo uma certa eloquência Mas é só, nada mais Só tem o chão que pisa com frequência. E agora que nada tem a entregar Senão a menção daquilo que te ilude Aquilo que o desejo leva na lombar Quando a cabeça deita e o descanso alude Agora, dizem, pare com as palavras Abandona toda tua vontade Desta rua segura que te lavra Larga para trás esta cidade. Este largo, que o perdido olhar Ante a tempestade sustenta e esfria Esta ilha que deixa a barca atracar Que traz no pensamento a fantasia. Ainda que orne a casa de ramagem E ainda que nutra na dor algum riso O que tem fora é luz que queima e que arde O que tem em ...
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Chamas de Yemanjá

Almíscara penumbra O ar que pesa em febre As sedas ardem chamas Verte-me a maré da criação. Recebo em exortação As faíscas que te explodem sob a pele  Cubram-me, estrelas cadentes. Ergo-te minha aberta taça Largo anseio a coletar Neste cristalino cálice As pérolas de deleite mar. Perfeita ondulação Com um arqueio para trás Transmuto em Eva Rosa aberta das Mil Noites Das mil insaciáveis noites! Sem medida. Deixe que caiam Que cerquem-nos as brumas Banham a alma o noturno orvalho Ouça este canto É a beleza do profano hinário. Neste sonho vivo Altivez de devoção cutânea  Rito ao lúgubre exorcismo  Governa e acata simultânea. Sorve dominada a benta água Aceita a nativa incumbência  A viva e infinita exultação. Quente e pesada Cai a noite Salto na cidade inteira Soltas rubras copas Sem medo Reflexo brilhante das estrelas Embebe o lacre dos segredos. Quente e pesada Em açoite Salta a cidade inteira Um, dois, três, quatro Brindem ao pórtico Abraçados às cortinas Rasguem o m...

Sísifo no Divã

Árvores sombra água fresca Frutos suculentos ao pé do monte Pé ante pé força a perna Sobe, sua, ofega Pausa só no cume Após as nuvens Após o sol Após, até mesmo, das estrelas Lá no topo resta ar Respiro fundo a minha conquista Mas que lástima! Árvores, sombra, água fresca Frutos, ressecando ao pé do monte. De volta ao sopé. Pé, ante pé força a perna Galhos ossos, cascalho Até que, a asa do espectro Pesa ferida sobre a janela No batente que mira o monte. Mas que lástima. Árvores, sombra, água fresca Frutos, caídos, pelo chão. Pérolas, rolando, pelo rosto Vidros, quebrados. Mas. Galho, escuro, sede. Pé.

Dez Mil Dias

Certo dia foi assim Peguei o ônibus Sentei na calçada fria Esperei falarem comigo Deixei a mão suspensa, em vão E em um gole, matei minha sede Para no segundo seguinte Você não estar mais aqui.  E soube certa vez Que não estava mais aqui Às vezes Quem não está Parece nunca ter partido. Te via na luz Te via no amanhecer Te via Te vejo Na minha vontade de morrer. Tua voz que parei de ouvir Ainda soa para mim. O teu perfume de ternura Sinto em todo lugar O teu semblante de aurora Vejo-o nas pontas dos dedos. E sobreponha a  eternidade Entre o que plantou em mim E o fim do mundo E você ainda estará aqui. É assim mesmo. Porque  Ante a catástrofe  A confusão A existência O desamor e a desilusão A tristeza e o rancor As mágoas e a reclusão Três palavras Quatro sílabas A minha incapacidade humana de decifrar A dissolução da minha angústia: Eu amo você. 📿📿📿📿📿📿📿📿📿📿📿📿📿📿📿 Tudo isso começou no dia 06 de Maio de 1998.

Diante do Espelho de Eva

Deidade minha senhora, sempre em chama,  Tua boca ampla macia leva ao chão.  Rubro ímã, fordil de que reclama,  Se ajoelha, perco-te em oração.  Lábio que já até abate impérios,  Arbusto estandarte de querer,  Contemplo no espelho, mil mistérios  Deseja o outro, roga-te a sofrer.  Oh fidalga autora que devasta,  Tenra rubra,  perde-se e implora,  Beija, agarra, fissura nefasta Hecatombe quente que aflora. Abre, descativa: eu me rendo,  Aparta-me, sou só a pele e o som.  Que venha a seiva, o toque, o alento,  Que não há além altar deste teu dom.

Cortina de Cetim

Rouba-me as forças, Sim, eu desfaleço Quando os dedos correm E retratam a curvatura Das cortinas de cetim. Brancas, negras ou rosadas Cobrem, protegem, aludem Bruma vontade malograda Sob coral desejo e penugem. Portas da genuína vida Abre-as, largas, para mim Explora com cuidado aventuroso Em busca do macio carmesim. Venha até ela teus murmúrios Úmido disfarce ante o portal Que a tua boca aberta em perjúrio É o santo manto ruindo, mortal. Abre o que isto transformei em rito A brisa fresca adentra o limiar A porta treme, responde em grito Sussurro Sibil, e canto lacrimoso À voz de melodia insolvente E ao corpo que se solta, se desprende Como pode, pergunta o riso crível Que algo tão pequeno, tão frugal Desmonta a força inteira de um ser Deixando-me entregue, irracional.

Zéfiro

Sussurra em mim a silente valsa  A voz que repousa na palma da mão  Chegando larga remansada balsa Oferta a fleuma tal uma oração. Sopro de um ocaso que vem me acolher  Fulgor feito em artelho, penteadeira  Não vê-se mistério do que vir a ser Onda que resfolga à palmeira. O ar que a mim, envolve-me puro Pelo nó que a nova brisa desata E o pé, que já solta-se, bem seguro No embalo deste zéfiro prata Aperto que solta, riso adentrar O moroso baile, no compasso mel O ar que pesava, faz gota a gota A chuva que lava, inteira, sou céu.

A Farsa do Setembro Amarelo

É a última vez (e não prometo) que pretendo escrever sobre este assunto. Como sociedade, avançamos a passos largos para o total declínio, ou já estamos nele e não percebemos. É isso mesmo, digo de forma pretensiosa e evocativa de um provável apocalipse social. Já nem temos moral, essa coisa transitória. Eu me pergunto se há espaço para a moralidade em um contexto em que temos tanta gente falando ao mesmo tempo sobre todas as coisas. O que temos, e isso não é novidade, é a guerra moral, em que a própria moral tem sido usada como munição, está sendo gasta e reciclada ao total esvaziamento.  E nesse mesmo contexto moral em que se briga para determinar qual é a conduta vigente, esprememos a necessidade do bem estar diante de uma demanda de produção em larga escala para atender os anseios dessa mesma moralidade que está em decadência. Não há como não esperar um resultado catastrófico. E então, diante deste desfile da desesperança, decidiram trazer um antidoto para emendar, que é a campa...

Partem os convivas, mas Eu Te Amo

Penetrem convivas, os amplos salões Contemplem, com "ahs" e "ohs" Num brio de coros libidinosos O mármore de Afrodite e Baco Os lautos chamados suntuosos. Bebam Comam Fodam! Desçam com as estacas Em visco escorregadio Engasguem, salivem O assoalho em verniz. Num indecente sóbrio manto Em uníssona voz e contraponto  A ápice volúpia, nosso canto. Durmam E depois do riso Da bebida Da partida do gozo Sumam daqui! Saiam todos! Larguem as taças  E a restinga da algazarra! Deixe-as que eu recolho Como sempre o fiz Os cacos de vidro pelo chão. Entre o sangue da dor E do abandono Uma jóia quente e macia. Cai em mim a sua mão. Vai então, minha clara confissão: Eu te amo até o fim dos meus dias Eu te amo até quando puder respirar Esse ar fétido que nos cerca Eu te amo até que fique em carne viva Da vida que me trouxe de volta Eu te amo, coelhinho, oceano. Repousa aqui tua mão e não solta.

Páginas Arrancadas da Distante Primavera

E fomos hoje, felizes para sempre Uma taça com marca de batom  Outra pela metade Miro o mundo em devoção,  Terra alva, perfumada,  Vinco ondulado no lençol  Avermelha o topo o pôr-do-sol.  Um olhar incrédulo a você.  Estreito em maciez avermelhado  Véu de um lenço carmen de cetim Uma terra úmida, trabalhada  Duas jóias ambar para mim.  Mas já são cinco e trinta da manhã!  Dois minutos  Para vestir os sapatos  Cinco  Para fazer o café  Dez Para esperar pelo ônibus.  E a coragem triste de caminhar  Sem você.