Pular para o conteúdo principal

Solilóquio


Disseram pra mim
Que o céu já não é mais tão azul
E que as estrelas no céu
Não são mais vistas quando a gente quer.

Disseram que a água já não é mais tão cristalina
E que não abunda mais em vida.
Disseram que o amor é uma história distante
E a chamaram de ideal.
Disseram que quando se ama
Não se vive a vida real.
Disseram que tudo do que aprendi
Hoje já não é mais igual.m

Disseram que cada vez que respiro
Eu aspiro em substâncias nocivas
E que o que dividi com meus amigos
Não faz mais parte de mim.

Disseram a mim, que quando estou sonolento
Estou repondo as energias que perdi
Em um inerte e inevitável momento.
Disseram que a felicidade não existe
E que puseram nos meus caminhos mais seguros
Mais caminhos, mais passos, mais muros.

Mas disseram a mim:
- Não te preocupes, a vida é assim.
A tua vida não para
Enquanto tudo à tua volta desaba.
Recolheis as pedras das quais precisas
Separeis os tecos de terras fofas que sobrarem
E planteis ali a tua rosa solene.

Disseram que a rosa eu protejo
E devo proteger!
Enquanto a vida se acaba
Nessa tristeza perene.

Contudo a amarga melancolia
Deixa-me em prostração,
Adinamia voluntária,
Aceitando tudo o que me disseram.

Ainda disseram, na embriaguez
(Ah, langor profundo da invalidez!)
Não existe verdade, porém, vaidade.
E sob vaidade o mundo se fez.

Abriram meus olhos e me mostraram as coisas
Mas eu não as vi como deveras às guisas.
Eu não senti a primeira brisa da vida
Eu não curei para mim, a minha própria ferida.

Disseram a mim, que a terra não planta
Então dessa terra infértil
Eu não colherei.

Mas acreditarei que tudo o que quero plantar
Plantarei, regarei, cultivarei, suspenso, ao ar.

Postagens mais visitadas deste blog

PC Siqueira

Foi extremamente triste a morte do PC Siqueira. Nem toda morte é triste. Há mortes que acontecem, e a tristeza fica na saudade, mas nos sentimos felizes por aquela pessoa ter existido. No caso do PC, eu não comentava nos vídeos dele mas sempre o assistia.  Eu sempre defendi que o PC Siqueira por causa daquele infeliz caso, ele não foi aquilo do que todos o acusavam. PC Siqueira era depressivo, e em quadros graves, quando a doença está fora de controle, o depressivo se torna autodestrutivo, inconsequente, não se permite limites. Isso em todos os aspectos: físico, social, mental, emocional, não importa. A pessoa simplesmente não se importa com mais nada. Eu acredito que naquele comentário o PC já estava tão aquém dos limites do que choca as pessoas que ele foi lá e simplesmente disse. Ele pensou "eu me odeio, minha vida é uma merda, foda-se, eu vou dizer, e foda-se" e ele disse, e aquilo trouxe toda a reviravolta para a vida dele que o colocou nessa rota de loucura e solidão. E...

Ciência da Humanidade

Peço desculpas ao rapaz da IBM que estava lendo o livro de Richard Dawkins, Deus: Um Delírio, e que foi rapidamente atacado por mim, por falta de coragem de encarar que existem realidades diferentes da minha. A matemática sempre me fascinou. Não só a matemática, mas tudo o que a usa como ferramenta, os números, a filosofia, a física, a biologia, a química, a engenharia, a economia, as ciências da informação, as ciências dos softwares, as linguagens de programação, a música, a pintura, a astronomia, a poesia, a eletricidade, tudo o que se originou da harmonia dos números, tudo isso pra mim é arte. Se existe algo que já me incomoda faz muito tempo nos sistemas educacionais do Brasil é essa distinção cada vez mais forte entre Ciências Humanas e Ciências Exatas. Eu ouço essa dissociação como o som de uma facada no meu peito, isso realmente me dói e me incomoda. Para mim tudo é ciência humana, até mesmo a matemática. Eu sempre me lembro da frase de Darcy Ribeiro que disse certa vez...

Devaneio de um Sonho

 Eu vejo a distância a morte de uma flor Primeiro ela para de crescer, numa decisão impetuosa A cor que desvanece, empalidece, esmorece. O perfume cheira a frio e a saudade. Pouco igual ao fim de um espetáculo Testemunho o longo adeus, se recolher Dá-lhe água, adubo, carinho ou amizade Ela existe mas para de viver. Na veia corre o sangue em aflição Pois mesmo queira a flor se extinguir Mais forte sinto ainda o desistir. Pra que escolho esta flor como objeto? Servir como o frescor de um novo amor? Ou o consolo expurgo desta dor? Como a vela em dia claro, sob a luz ardente Não quero que se vá, que me deixe, que termine Como pés cansados num deserto transcendente Pende a pétala no instante em que decline. E as pétalas as deixam, avassalada Uma morte por dia, a flor que emudece Mas menos que um sopro de vida: Ao cadáver de pé, uma prece: Tenta, a vida que se arrasta, arrasta ainda e segue.