Eu não sou idiota, negacionista, ou cego. Eu sei o que se passa no mundo atualmente. Sei que estamos vivendo no meio de uma pandemia virológica, e que isso pode ser um dos maiores desafios que já vivemos nesse século. Não sei dizer se da história, como muitos jornalistas gostam de manchetear para ganhar a atenção das pessoas. Essa ressalva não é para minimizar a pandemia, mas é porque eu não perco a oportunidade de maldizer o veículo de informação.
Jornais sofrem do duplo mal de que, ao mesmo tempo em que informam, eles também precisam fazer publicidade, então daí tiramos a nossa alta desconfiança sobre o que eles dizem.
Porém, é este um dos raros momentos em que eu poderia dizer que a imprensa é uma das poucas instituições que tem exercido um papel crucial para superarmos este momento, juntamente com a divulgação constante dos cientistas, em que sequer um simples espirro parece passar longe da documentação criteriosa, pois não estamos vivendo um momento comum. Fala-se até em solidariedade. Não quero abordar a questão moral por trás disso.
Mas aqui no meu vilipendioso país, na minha Terra Brasilis, nesse Brasil de brasa vermelha que não sei se é Pau ou Sangue, este país que eu amo como amaria a uma puta, (aliás, a única mulher e profissão que eu consigo amar são aquelas em que elas me tratam como mera mercadoria, mas não é momento de falar da minha política econômica agora), eu vejo graça no meio da tragédia. É digno de um artista trazer o riso no meio da desgraça, como um dramaturgo que consegue transformar o Holocausto Alemão em Comédia, despertando em nós aquele riso misturado com sentimento de culpa. Não se deve rir da desgraça alheia, isso é moralmente inaceitável. O ideal é fazer o que sempre fizemos, simplesmente ignorar o sofrimento dos outros e seguir bem com nossa consciência.
Temos aqui um verdadeiro ícone do panegírico, o senhor Luciano Hang, uma caricatura que, se eu fosse desavisado, pensaria que teria saído de algum daqueles programas infantis bizarros com pessoas vestidas de urso roxo ou cobras gigantes. Só que o homem realmente se veste de verde e amarelo o tempo todo, e, surpreendentemente, ele é uma pessoa real, com direitos e tudo.
Uns dias atrás ele foi o porta voz de uma comunidade que se mostra preocupada com os rumos da economia do país. Esta comunidade, pelo que sei, é formada por ele mesmo e todas as pessoas que ele conseguiu coagir. Tal como os indígenas que foram forçados à cristandade, e se viram com uma comunidade, tão o são os funcionários da Havan. A gente não escolhe a comunidade em que é forçado a viver quando precisa sobreviver de comiseração.
Luciano Hang se exaspera, e diz, com uma segurança que me convence tanto quanto uma modelo de TV que se exibe seminua com a justificativa da feminilidade, ou um super músculo (para ser sexualmente justo) que anda de camisa regata para compensar a sua torpe compreensão cotidiana, ele se exaspera, dizendo que sim, é rico, muito muito rico, muito capaz de pagar todos os seus fornecedores e ir embora para a praia, e fugir da epidemia, mas ele não faz isso, não, de forma alguma, porque ele também se importa com o popular brasileiro, e não quer que as pessoas percam seus empregos, por isso mesmo está ali, representando a si mesmo, dizendo que precisamos voltar ao isolamento horizontal, ou seja, apenas as pessoas de alto risco ficam em casa, e as demais pessoas voltam ao seu trabalho, porque as pessoas que não oferecem risco, ao que parece, não respiram, não absorvem pelo ar as impurezas, e não podem contaminar o ambiente em que frequentam, por isso mesmo, tão ou mais capazes de permanecer em seus ambientes de trabalho.
Uma semana ou duas depois, o líder patriota circense se exibe de novo, com dois homens feitos, chorando, porque as pessoas não vão sair de suas casas para comprar os seus ovos de chocolate da Páscoa, seguindo à tradição Cristã erigida pelso Astecas e pelos Judeus nessa grande orgia espiritual que é a religião brasileira, e por isso mesmo estavam vendo suas mercadorias paradas no estoque. Luciano Hang continua, que está sem dinheiro, que por causa da quarentena já não pode pagar seus fornecedores, e que por isso, eles estavam ali, desesperados, implorando, por favor, voltem ao trabalho, porque nós, homens de bem, batalhamos tanto pelo sucesso da empresa, e é triste vê-la acabar. Sim, é, devemos mesmo nos compadecer para que eles não percam seus tão suados, simbólicos e questionáveis patrimônios. O que diria Silas Malafaia, top 5 da Forbes, que exige, com a autoridade que Deus lhe deu, exige que os seus fiéis não parem de ir ao culto, porque Deus assim o quer, tanto quanto o seu próprio bolso. Silas Malafaia não parece ser um homem do seu tempo, pois como tantos outros, estão utilizando das transações online para garantir seu cantinho no céu. Silas, faz um curso no SENAI aí meu amigo, vamos nos modernizar um pouco, nem que seja nos moldes de uma educação que parou nos anos 80. Seguindo.
O Luciano Hang é um cara curioso. Ele diz que não pode pagar seu cliente dos ovos de chocolate, mas eu me lembro que ele disse que tem dinheiro pra pagar tudo, os fornecedores, e os funcionários, e ainda sobraria dinheiro no bolso dele, pra fugir para a praia, talvez a Praia do Futuro, onde já não vírus, apenas doença, como ele.
Poderíamos fazer como a Anitta, talvez, a atual representante dos direitos da mulher em fazer uso de seus próprios privilégios, contatos, e esqueminhas de bastidores, para fazer um teste escasso de uma doença que está longe de ter cura, e depois ir tranquilamente dar o quanto quiser para o seu namorado de fama relâmpago num resort escondido do país. Anitta, como dizem por aí, é mesmo foda.
Luciano Hang é um homem tão cego na sua própria ambição de vender quinquilharias chinesas pagando salário mínimo, porque é isso o que ele chama de economia, que perde a chance de enxergar a grande oportunidade que ele tem nas mãos. Podendo se fazer valer da sua influência, poderia temporariamente transformar a sua empresa num espaço para a fabricação de equipamentos de proteção, armazenamento de mercadorias médicas, hospital de campanha e de isolamento de pessoas contaminadas. Assim como Júnior Durski, o Júnior Velho, que sendo do ramo de alimentícios, poderia fabricar alimentação hospitalar e ajudar a aliviar os profissionais dentro dos próprios Hospitais, ou quem sabe o próprio Carlos Guerra, que tendo influência entre seus fornecedores, poderia utilizar das suas embalagens de hamburgueres para transportar a comida fabricada pelo Júnior Durski. Ou quem sabe o Roberto Justus poderia usar da sua influência publicitária para abastecer o mercado médico brasileiro e ser um líder no ramo, contribuindo para evitar ainda mais a disseminação do vírus. Mas a falta de visão dessas mentes eu não sei se é proposital para continuar negando o óbvio ou se é por pura burrice, o que me faz questionar até mesmo como foi que eles chegaram onde chegaram. O Roberto Justus eu até sei. Para ele é difícil ver todo o seu império erigido com todo o esforço que Adriene Galisteu teve que exercer, do pó das humilhações públicas sofridas pela mãe do Ayrton Senna, para ele é difícil ver tudo isso se perder. Não sei se ele teria energia para se casar de novo com alguma outra mulher de sucesso para socorrê-lo da sua própria incapacidade. Nessas horas eu consigo aplaudir de pé o esforço trabalhoso dos preparadores teatrais. Temos um Roberto Justus que nos convence com primazia de que é um verdadeiro self made man. Parabéns, Roberto Galisteu.
Como fizeram Ford, 3M, Trigema, Verbio, que estão aproveitando o momento para, ao mesmo tempo em que não param seus empreendimentos, conseguem contribuir com o setor médico. Luciano Hang sendo um grande varejista poderia, neste momento, ainda que com uma rentabilidade menor, servir de fornecedor, talvez? Eu não sei como funciona a economia na mente destas pessoas, mas o que fica claro é o que realmente não funciona, que é a capacidade de compreender a realidade de que eles talvez não serão mais tão ricos quanto esperavam que fossem neste ano. Pois é, a vida é assim, às vezes alguém decide que você não serve mais para ser usado nos seus discursos e acabam elegendo um presidente que o persegue, e vida que continua. Onde melhor poderíamos nos enquadrar senão nos nossos privilégios?
Agora, porque eu detesto escrever sobre eventos tão pontuais assim?
Se substituírmos os personagens dessa trama inteira por qualquer outro e situarmos em qualquer outro contexto, teremos apenas mais um, das muitas interpretações sobre a natureza humana. É isso aí. Eu poderia citar até mesmo um jogo de videogame bobo como Nier: Automata, ou Horizon Zero Dawn, e até mesmo Fallout, para evidenciar o quão medíocre a natureza humana é, ainda mais quando se trata de uma época em que o prazer absoluto e imediato é muito mais importante do que a própria vida.
O que vivemos no Brasil poderia ser uma grande tragédia, mas para mim não, eu vejo apenas os traços de uma bizarra comédia.