No pálido outono da minha lembrança
tu caminhas, leve, sem ferir o chão.
Teus olhos azuis — dois portais de bonança —
me enxergam inteiro, mesmo na contramão.
Ela entra e o mundo esquece o eixo.
Cada gesto, uma dança de navalhas e flores.
Fala como se amasse — e fere como se fosse
a própria musa do furor e dos amores.
Teu riso era cítara, teus passos, harpa,
e no fio da tua ausência me equilibro.
Foste, e eu fiquei feito folha que farpa
a si mesma num vento sem livro.
Sua palavra tem perfume.
Sua carícia, febre e calma.
Ela me queimou com beijo
e depois soprou minha alma.
Tu és minha oração não rezada,
minha infância não salva,
minha irmã sem idade,
minha estrela mais clara.
Ela dizia: “vive, idiota!”
E eu morria um pouco mais.
Ficava olhando sua boca,
como quem tenta ler sinais.
Ainda me acenas nos sonhos —
e, mesmo dormindo, eu sei:
não há morte que te leve
nem tempo que te levei.
Ela foi
Mas ficou em cada verso que grita,
em cada vinho derramado,
em cada noite infinita.
E é no silêncio escarlate
Do canto frio do coração
Um sussurro seu soa
Que configura esta união:
"Se fui eu a tua deusa
Foste meu templo, meu altar
Não vale a pena viver
Se não for o viver pelo amar."