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Infiltração

 Só

Sim

Assim

Salta

Cai

No chão


Derrama suave

Olha a gota

Que molha o solo

Chegando com indisciplina.

Na parede, essa mancha escura

Esse anúncio de chegada feia

Que escondi sob a pintura.

Que de gota, pode virar cheia.


Tem gota que vem pra vida

E tem que vem pra lembrar

Que passa por baixo da porta

Sem nem mesmo avisar.

Que é convite, ou invasão

É só o mesmo esquecimento

De cuidar do nosso lar.

De uma torneira que desgasta

Envelhece sem substituição

E não há o que fazer

Ou fecha, ou aceita, ou vive sem correção.


Enquanto pensa

Bem

Bolha

Molha

Meus pés

E as roupas

E as coisas através


Dissolve o que acumula

Preenche sem convite

Com realidade, não dissimula.

Os cômodos vazios

Engolfa o nó dos dedos

Os laços do coração.


Sob mim, espelho d'água.

Me mostra mais torta

Ou mais bonita

Mostra a verdade ondulada

Que dentro de mim habita.


E se não para

E se não fecha

Chega feito cascata

Alvoroça o dia inteiro

Puxa a água da pia

Da cama, da sala e do banheiro.

Esquece do café e do sofá

Não atende amigo, vizinha, carteiro.

Não atende ninguém

Só lida com esse gotejo.


Faz ruído de dentro pra fora

Que a gente vai ignorando

Vai fingindo, segue cantarolando

Depois tudo bem, deixa logo mais

E vem, devagar, caindo, alertando

Ela vem avisando:

Ou me arruma ou não me culpa.


E a casa vazia de repetição

Vai encher sim

Mesmo que de qualquer coisa.


-Alô, serviço de encanamento?

-Não aqui, só trabalhamos com cimento.

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