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Flora

Uma luz límpida atravessou a janela Tocou-lhe o rosto com delicadeza Uma garoa que acaricia o jardim tão duramente cultivado O dia não te amanheceu hoje porém Como muitos não irão. Olha lá fora, esses olhos que acabaram de acordar E veja por si só, como haverá de ser Sem escolha, sem pedido: Túmulos e mais túmulos De histórias que não conhecemos, mas que valeriam um verso! Observe quantas rosas ali dormem Tranquilas e conformadas Como um mar solitário depois da tempestade. O cenho franze de tristeza, a vida ensina Mais ou mais do que a luz Que atravessa-lhe a janela E é quando tiramos o véu negro Aceitamos E saberemos quando olharmos para trás Nossa rosa também estará ali Um soluço preso na garganta não nos abandona Toda luz límpida cruza a janela que se deixa aberta O dia amanhecerá, porém.

Alberico

Como é cruel peneira da vida, A arte. Do que teu coração vivo e sensível Faz verdade Se todo aquele que lê, vê ou ouve O sino não toca Já não faz parte. Fica como as grandes cidades: Com lugares tantos pra visitar Mas quando um novo chega, a gente diz: Por que nunca antes estive neste lugar? É um ar novo, repouso pouco sedutor Amanhã vira limbo Ou reflexo de consciência. E quando o que lê, vê ou ouve Em teus lábios se repete Não sabe a quem atribui Não sabe se não te pertence Aquilo que não te compete. É um espaço vazio Como um cômodo de poucos móveis E muito som Xícara na mesa E o pouco que se pensa Tudo é saudade. A velhice não adiante Longe da eternidade.

De passagem

Este mundo soa quase como se não me pertencesse. Ouvidos atentos: Se esse cesse Cesse Não sou deste mundo - não queremos Não existe chão debaixo dos pés, sinto. Flutuo. A história me cospe Fato atrás de fato Sem pronunciar-me o nome Ou pedir por favor. O que me deve, ela? Mas o que devo? Não deveria Sem ponto ou vírgula, ou necessidade Segue-o, sem visão O que vale mais que a forma senão o som. Senão Vale-o O som emite só, e só não é meu. Vele-o Como se os homens não existissem uns para os outros. E não existem. Exista Insista.

No fim das contas Andy Warhol

Existe uma cama tão fria E uma casa tão silenciosa Que quase crê que não existe Ou que é Deus. E ali está A menos que estará Se houver muita crença E muita retribuição. A TV está ligada Converso com ela - Olá TV "-Bom dia" me responde. O coração se alegra A fé se aquece Existo Por mais que pense. Quase acreditei que existia.

Disposição

Tive um sonho do mais surreal possível Em que um amigo me tocava no ombro Sorria carinhoso e me dizia: Todo mundo neste mundo tem a sua sombra debaixo da árvore. Acordei em paz com a casa em seu silêncio comum. Com as coisas exatamente onde tinha deixado na noite anterior.

Um dia de maio

Derrubaram a bastilha! Mas que diabos é a bastilha? Só sei desse suor no seu corpo belo! Tudo que é consciência perdura Só que nada pra sempre dura. Como se fosse uma semente Que cai numa terra indisponível e vai nascendo um brotinho. Um dia a gente agoa. Outro dia a gente põe terra E aí a gente colhe E tudo fica assim, lagoa. Que nem quando éramos crianças As casas e as árvores girando De mãos dadas com os melhores Dos nossos melhores amigos Elefantes voadores, elefantes voadores! Era só algodão doce.

Vandalismo

Um barco Uma lagoa Um cenário qualquer. Entre um travesseiro e outro Havia um sonho Pescador, pescava com segurança e com afinco de pescaria Acendeu um cigarrozinho enquanto comia Pedacinhos confiantes de atum. Terminou a última tragada e atirou-se na lagoa pra uma nadada O atum assumiu a vara Atum, pescava com segurança e com afinco Enquanto comia pedaços de atum confiantes. Quando saiu da lagoa virou um cigarro E foi excluído pela sociedade.

Envelhece a Cidade

Frio, muito frio nas ruas Um cinza e um laranja amarelado mancham o chão Frio, muito frio e ninguém. Mas algumas pessoa vagueiam Motocicletas passam errantes Frio muito frio. Lastro de pensamento Quem me beija quem me quer Beija me mal me quem Mas não era nada enfim. Errante como uma condenação Segue mais pesado que tudo Mais pesado que a mão Mais frio que o coração. Frio e suor e um cheiro humano Tentaram-te um abraço Um perfume novo e temporário E aquele sorriso piedoso O coração até se aquece, mas passa. Motocicletas passam errantes.

Espírito do Tempo

Dorme meu filho, dorme O jornal está sobre a mesa E sobre o banco E sobre a casa Sobre o chão da rua Sobre a feira livre Sobre a avenida dos partidos de esquerda E sobre as mansões dos indiferentes. Nuvem, penumbra cinza, cheiro de queimado Esta é a imagem. Mordo uma maçã, sinto gosto de batatas Mãos sobre a mesa Pode ser a casa do meu bem Ou a casa dos meus pais Pode ser o céu ou o inferno Tanto faz. Ao chegar em casa, uma poça de sangue jazia anônima: - Limpe os pés antes de entrar! Morre-se de sede Mas ninguém volta atrás, Ninguém volta atrás. Ninguém volta.