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Mostrando postagens com o rótulo Cartas Digitais

A Culpa é Deles

Texto por: Borges Sanatore "A razão de eu estar tão amedrontado e tão enraivecido é a realização de que vivemos num mundo podre repleto de abutres gananciosos que há muito tempo se esqueceram do valor da lealdade. Desde cedo somos ensinados a ter lealdade apenas aos nossos prazeres imediatos e às nossas necessidades fúteis, vãs e mesquinhas, e temos passado adiante estes valores às nossas crianças, sem perceber que elas estão a caminho de virarem adultos frustrados, mimados, inconformados com a realidade. A ação lhes foi roubada quando o conformismo tomou conta dos seus corações, e elas simplesmente aceitam a tudo, contentando-se apenas a reclamar, simplesmente reclamar. Agora por quem lutar senão por nós mesmos? Nós, humanos, somos uma imensa tribo, mas temos dificuldade de nos reconhecer como tal. Temos dificuldade de olhar para nossa casta e perceber que estamos destruindo e matando uns aos outros em busca do nosso único e puro hedonismo. Nós, humanos, somos uma imensa tribo, m

Eu sou uma péssima pessoa

Eu não sou uma boa pessoa. Admitir isso é libertador, pois me livra de uma obrigação moral com quem quer que seja. Não estou vivendo em função de nenhum tipo de virtude pessoal e eu não quero passar atestado de bondoso. Não existo para que as pessoas gostem de mim. Os meus raros amigos me aceitam como sou, sabendo da minha natureza difícil e insuportável, e raramente faria isso, mas viver e ter pessoas que não se deixam intimidar pela minha acidez e desprendimento destas questões da moralidade é libertador. Até às vezes me permito ser grato à vida. Talvez seja a única razão que me desperta este sentimento de gratidão, por eu poder ser a péssima pessoa que sou, e ainda despertar o afeto de raras pessoas que não se deixam enganar pela necessidade de reforçar os seus egos e seu narcisismo em mim. Por isso amizades parecem realmente coisas muito raras.

Uma mentira contada mil vezes...

Não concordo com a fala popular de que uma mentira contada mil vezes se torna verdade, porque ela tem um defeito lógico bem a princípio: se eu disser mil vezes que uma casa vermelha se ergueu e começou a caminhar sozinha em direção à beira da estrada, me agredindo no caminho, a ponto de me machucar, isso não se tornará verdade. Para que essa história se torne verdade, eu preciso primeiro de um aliado, uma testemunha impressionável e que se deixa persuadir pelo que eu falei. Ele não precisa nem mesmo ser meu amigo, apenas um ingênuo que estará ali pra dar sustentação, e às vezes, até mesmo uma impressão de que a minha mentira tem lá sua lógica. Este meu aliado pode dizer coisas assim: "é verdade, pois ouvi dizer que estavam construindo casas mecânicas autômatos, que se movem sozinhas conforme as necessidades do seu dono, e são programadas com defesa pessoal, tudo pelo computador". E pronto. A minha multidão, a minha plateia, as pessoas que eu arrebato com a minha história sedu

7 de Setembro, 4 Anos Atrás

Duplipensar é um clichê da literatura, mas um clichê inquietante e traiçoeiro. Testa nossos limites e nos culpa pela condição de vítima. Duplipensar é revisar a linguagem. Revisar a história abre a possibilidade para novas interpretações dos fatos, mas revisar a linguagem nos torna imunes às sensibilidades. A traição física é uma coisa pífia, porque para mim, ela é a medida do nosso amor próprio, e feliz é daquele que dela se desfaz tão rápido, porque permite atingir uma compreensão da dimensão da relação humana. A traição física só atinge aos que, tristemente, ainda acreditam na própria fragilidade. Eu lamento por estas pessoas que se agarram com desespero à barca que carrega as promessas de uma vida sem dor. A traição física é a dissolução do orgulho, como pó, e que uma vez sentida, dói, obviamente, mas passa. Mas a pior traição a meu ver é a da fé, mais difícil de suportar, e causa maior instabilidade quanto ao futuro. Causa danos sobre o ser, e por um instante, rompe com nossa perc

Em Defesa do Mundo da Lua

Ele vive no mundo da lua! Ele é sonso! Esse aí vive olhando pro nada com a boca aberta. São estas as frases que eu mais escutei quando era criança.  Estava fazendo uma observação de aula pro meu curso do CELTA. A aula aconteceu numa turma da Espanha, entre crianças de 9 anos de idade, e o objetivo era apontar características do comportamento das crianças durante um aula, analisando os aspectos como Energia, Motivação, Concentração, Criatividade, etc. Eu pude ver crianças levantando da cadeira, crianças se apoiando sobre a carteira, crianças que mexiam as mãos ansiosas, crianças que pareciam que tinham uma energia tão intensa presa, que estavam a ponto de explodir... instantaneamente eu fiz uma conexão com a criança que eu fui. Eu posso estar enganado na minha análise, mas se eu pudesse ver de longe, eu diria que eu era uma criança retraída e que continha um universo imaginário preso dentro de si. Mas eu me lembro ser uma criança que imaginava tudo. Eu não consigo pensar hoje numa crian

Mal Amada

Eu passo oitenta e cinco por cento do meu dia em cima do travesseiro do sonho. Eu sonho com justiça social, com o fim da desigualdade, com um mundo mais pleno de empatia, um mundo menos preocupado com a imagem ao invés da essência. Eu especialmente sonho com um grande amor. Eu perdi todos os meus. Eu sonho com um amor que comece agora, e seja tão puro e pleno, que não existirá o ontem e nem o amanhã, e ele estará aqui. Eu sonho com um tipo de amor que já entenda que sou imperfeita e cheia de temores. Eu sonho com um amor que considere minhas feridas e meus medos. Eu sonho absurdamente com um amor onde eu possa me sentir segura, e que possa cuidar de mim. Eu sonho com um amor que não importa a loucura do mundo, ou a minha própria loucura, ele estará ali para me salvar. Eu sonho com um amor que não me culpe e não me condene, e que não me cobre um preço, pois não vou cobrar. Com um amor que não sinta que amar é demais ou insuficiente. Um amor que não me abandone à solidão. Com um amor que

Bom Mestre, que farei eu para ter a vida eterna?

O sonho do oprimido é ser o opressor. Nas aulas de sociologia de países como o Brasil essa é uma frase que vai surgir a qualquer momento. Um aforismo que já foi tão reproduzido que é difícil saber quem atribuir, por causa de suas diversas variações. Lá nos anos 90 falou-se muito sobre a Globalização e a tendência de um futuro em que grandes nações não veriam mais fronteiras, estenderiam seus comércios para além de seus próprios países, abandonando o nacionalismo, formando assim uma troca de mercadorias em escala global, ou a Globalização. Junto com essa troca de mercadorias há também a troca cultural, algo bastante recorrente entre nós. Temos que aprender a negociar com o parceiro, e para isso, temos entender como ele pensa, até mesmo adotar seu comportamento. É o básico do comércio. Estas influências culturais entram nos países, ficam, são transformadas, alteradas conforme os recursos locais. Ideias nacionalistas tornam-se estranhas em uma realidade em que a cultura regional é uma esp

Diego Maradona

A memória mais antiga que eu tenho de Diego Maradona era assustadora: Era a Copa de 1994. Após fazer um gol eu via aquele homem de cabelos encaracolados gritando como um diabo louco em direção à câmera. Porém eu cresci em uma casa mergulhada no preconceito, e o preconceito tem uma resposta rápida a tudo o que é diferente, o medo. Então para afastar o medo, categorizamos. "Que louco" disseram, "isso é a droga" disse outro, e ainda "ele é um cheirador". Pronto, a imagem do Maradona estava criada na minha mente, mesmo sem eu saber direito o que era a droga pra cheirar, apenas sabendo que era ruim porque me disseram que era ruim. Com o passar dos anos mais adjetivos: Maradona é amigo de assassino pelas fotos com Fidel Castro. Maradona nunca vai ser maior que o Pelé. Maradona é violento, Maradona é um grosseiro, mal educado, estúpido, irresponsável, etc. Até que me lembro um emblemático momento em que ele e o nosso maior jogador (brasileiro) de todos os tempos,

Misericórdia

Já estive tão absolutamente pleno de amor por tantas vezes na minha vida. Eu escrevo muito sobre amor, sobre solidão, sobre o sofrimento que é o abismo entre os dois terrenos, e sobre o marasmo que é a ponte que os conecta. Por quanto tempo trafeguei por estes caminhos? Eu uso o amor como o refúgio pra esse mundo caótico? De que adianta escrever sobre o óbvio? O egoísmo e a mesquinharia de quem está no poder, que não é diferente do que a mesquinharia e a ganância de quem já esteve no poder antes. A arrogância de fazer de si mesmo a licitude em forma de pessoa, com as mãos abertas espalhando as migalhas da misericórdia. E se não fosse o amor, e a capacidade de amar, de saber que ao menos alguma coisa somos capaz de preservar em sua forma original, ou ao menos, de fazer bem, não teria já enlouquecido? Não seriam os criminosos mais sórdidos aqueles que sofreram a vida inteira da ausência do amor verdadeiro? Ou será que me engano sobre mim? Será que em mim eu sou apenas aquele que se conve

Meu Tio Mestinho

Uma lembrança carinhosa me aqueceu o coração esta manhã. Eu me lembrei do meu tio José Augusto Costa, o Tio Mestrinho. A gente chama ele carinhosamente de Mestrinho, ou Mestinho, porque ele aprendeu o ofício de sapateiro quando era criança, acho que com o meu avô, o Vô Costinha. Meu tio cresceu e viveu de sapatos, e durante um tempo veio morar aqui em casa. Eu queria ornar com lembranças inocentes de criança, mas eu acho que absorvi demais do sentimento de incômodo dos meus pais, e por muito tempo isso me envenenou, por muito tempo eu vivi uma mágoa. Acho que hoje isso finalmente dissipou, afinal, eu era criança, todos nós éramos crianças. Os problemas que aconteceram entre meus pais e ele, eram coisas de adultos, e sinceramente, até hoje eu não sei o que foi. Acho que não importa. Lembro que meu tio às vezes deixava o cabelo crescer, e ele tinha uma cabeleira encaracolada que deixava o rosto dele bem charmoso. Lembro também que ele tinha um furo no queixo, aquilo era curioso pra mim.

Humildade: arma de colonização mental

Quando temos a oportunidade de ter contato com alguma figura pública que admiramos, seja ele um artista, um intelectual, um esportista, criamos uma expectativa quanto às atitudes da figura. É muito comum pessoas se declararem repudiadas por artistas que não tem humildade. Eu me lembro de um artigo no  Whiplash  ( link ), aliás, um site de jornalismo musical muito fraco, em que o escritor Adriano Ribeiro, um fã inveterado de Iron Maiden, se mostra indignado com o comportamento do baterista dos Beatles que fazia uma série de shows no Brasil, em 2011. A manchete era bastante apelativa, como quase tudo no Whiplash. Dizia "Beatles: baterista ignora fãs em São Paulo". A queixa do Adriano era pelo fato de Ringo Starr não ter parado para dar atenção aos fãs que faziam campana na frente do hotel em que ele estava hospedado. Ele cria uma narrativa de um fã de 17 anos sonhador que espera ver o seu ídolo, mas tem sua expectativa destruída pela atitude do baterista. E também na reportagem

Este mundo está doendo

Estou com uma angústia entalada em mim, o dia inteiro. É um acúmulo de emoções, um choro que não sai. Um choro de desespero, dor, sofrimento e empatia. O contexto é o seguinte: estamos vivendo no meio de uma pandemia de um vírus derivado da Síndrome Respiratória Aguda Grave, o SARS Covid-19. Esse vírus, primeiro, pelo menos do pouco que sei, se espalhou na China, em 2002, e acabou resultando em uma pandemia entre os países do norte. Porém, o Covid-19 tomou proporções absurdas. O nível de contágio desse novo vírus é muito maior, ele se espalha com muito mais velocidade, e por essa razão, a solução para a contenção do vírus foram decretos de quarentena vindas de quase todos os governos mundiais, ressaltado quase que de hora em hora pela Organização Mundial de Saúde. O problema todo é que neste ano de 2020 o nosso presidente é o Jair Messias Bolsonaro, eleito com pouco mais de 30% dos votos em 2018. Junto com ele ganharam protagonismo também algumas figuras, começando com os seus filhos,

Coração Sem Fé

E assim diria o romântico desacreditado: Compartilho com vocês, desgraçados de vida, essas parcas palavras sentimentais cheias de feridas. Palavras de um espírito já frouxo e cansado. Pensar demais desgasta a alma e destrói as esperanças. Vivamos o que há de melhor, dizem-me. Mas olhemos à nossa volta com sinceridade, ao menos uma vez. Apenas olhem, não precisam me dizer nada, não precisam me dar sua opinião e nem assumir publicamente. Assumam para si mesmos, vergonhosamente, ou com o típico desdém das juventudes: o que há de bom para se viver? Onde há alegria e oportunidade, eu vejo apenas covardia e medo. Eu vejo um superficialismo barato e vendido. Uma hostilidade ao que é verdadeiramente humano, unicamente por sermos egoístas demais para assumirmos os nossos erros e tentarmos outra vez. Não digo tentar de novo subir a escada invisível da montanha financeira. Não, não vou me calar, e nem vou mudar o meu discurso. O que mais é revoltante é saber que muitos daqui acreditarão que é ver

Corona Vayrãs: A Grande Comédia Brasileira (That shit IS real man!)

Eu não sou idiota, negacionista, ou cego. Eu sei o que se passa no mundo atualmente. Sei que estamos vivendo no meio de uma pandemia virológica, e que isso pode ser um dos maiores desafios que já vivemos nesse século. Não sei dizer se da história, como muitos jornalistas gostam de manchetear para ganhar a atenção das pessoas. Essa ressalva não é para minimizar a pandemia, mas é porque eu não perco a oportunidade de maldizer o veículo de informação. Jornais sofrem do duplo mal de que, ao mesmo tempo em que informam, eles também precisam fazer publicidade, então daí tiramos a nossa alta desconfiança sobre o que eles dizem.  Porém, é este um dos raros momentos em que eu poderia dizer que a imprensa é uma das poucas instituições que tem exercido um papel crucial para superarmos este momento, juntamente com a divulgação constante dos cientistas, em que sequer um simples espirro parece passar longe da documentação criteriosa, pois não estamos vivendo um momento comum. Fala-se até em solidar

Liebe Ist Für Alle Da

Eu me lembro do quanto nossa vida era repleta de música. Eram músicas ora obscuras, ora festivas, ora eletrônicas, ora progressivas, sim, músicas polêmicas, nada melhor do que isso para ser a trilha sonora do que se aconteceu.  Ninguém entende, ninguém entenderia. Se soubesse o vazio que existe agora, um vazio de tudo. Vazio até mesmo de música. Uma sensação intensa de que algo muito importante se acabou para sempre. Eu acho que precisamos reconhecer quando essas coisas acontecem, e hoje entendo melhor os motivos dos homens tristes. Algo morreu, e não existe ressurreição, isso é o mais trágico de seguir existindo. E eu percebo cada vez mais o quanto tudo era especial, único, marcado para sempre na memória, e digno daquela tamanha dor quando ficou para trás. Nunca houve nada tão digno para ter tanto pranto, e a vida seguiu apesar de tudo.  Não sei como será o futuro e desde aquele tempo parei de me importar com ele, acredite, não vale a pena. Mas sei como foi meu passado, u

Depressão - Digressão 8

Entre os anos de 2007 e 2009 estive morando em Campinas, trabalhando para duas empresas, IBM e BT, respectivamente. Campinas é uma cidade que fica a 100 km da capital paulista, São Paulo, e considerando o raio de distância tão curto, é curioso saber o quanto as pessoas diferem de local para local. O meio em que vivi me ofereceu relações sociais e perspectivas bem diferentes das que eu estava acostumado. As pessoas do meu bairro eram mais pragmáticas, menos propensas aos romantismos e aos desejos idealistas. Elas eram mais duras, brutas, num sentido de que, se fossem minérios, elas não seriam polidas para tornarem-se jóias e ornamentos. Seriam combustível mesmo, diretamente. Em Campinas conheci diversos ornamentos. Dentre elas, nome fictício, estava uma Sara de Almeida. Aqui eu quero fazer um parenteses sobre relacionamentos. Quando temos um problema de estima, tendemos a tolerar o mínimo como máximo, e tendemos a viver uma vida sob a sombra de uma luz que não ilumina nada de v