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Mostrando postagens com o rótulo Cartas Digitais

A Balança das Moedas de Ouro ou o Teatro de Ruínas

"La giustizia è cieca e stupida. Con le mani arcuate verso l’alto, aspetta che il peso dell’oro inclini la bilancia." A justiça é cega e estúpida. Com as mãos arqueadas para cima, ela espera que o peso do ouro incline a balança. ======================================================================= Não me venham falar de justiça. Isso é uma farsa encenada por homens acuados pela beleza do caos da natureza. Patética, tola tentativa, de impor simetria ao universo com suas réguas de madeira e pastas de cartório. Pintam a balança, cobrem os olhos da estátua com seda ou cetim, e chamam de deusa. E o bronze que reflete os que a contemplam, com suas togas e seus malhetes cravados em jóias, mostram o reflexo tortuoso da selvageria da realidade. Ela é cega, dizem, a nobreza de enxergar um horizonte achatado. Mas já existe a medicina e a ciência avançada para curar a cegueira dependendo da fortuna investida. Cega, não por pureza, só conveniência mesmo. Mais do que cega, é estúpida e a...

Ao menino de 1998

Em uma noite qualquer de 1998, um menino. Ele se encolhe no chão, agarrado aos joelhos, chorando por... por todos os motivos que sempre o faziam chorar e se sentir profundamente solitário e abandonado. Ele escuta uma voz no escuro: "Ei, pare de chorar. Enxugue estas lágrimas, e pare de ter medo. Olhe esta caixa debaixo da sua cama. Hoje o dia foi bem difícil, como a maioria dos dias. Mas debaixo da sua cama, veio de um tempo distante, mas não tão distante assim, uma mensagem para você." O menino se levanta, busca coragem e olha. Tateia com a mão e sente um objeto retangular. Debaixo da cama ele encontra uma caixa de madeira simples. Ele puxa com curiosidade, levanta-se do chão como um herói abatido, e, com a caixa nas mãos, vai até a cozinha. Acende a luz e senta-se na mesa do jantar. Ao abrir a caixa, descobre uma carta escrita a mão em uma caligrafia séria e gentil. Não sabe se deveria ler, porque não tem certeza se a carta é para ele, mas ele lê mesmo assim. A carta dizia:...

O Lugar Onde a Esperança Volta

  Por Estevão Bruno Steiner Não é longe, nem alto, nem exige passaporte ou merecimento. O lugar onde a esperança volta é onde a dor já passou - mas deixou espaço. É dentro. Mais fundo do que a mágoa, mais calmo do que a pressa de sarar. Ali, onde só Deus e o silêncio sabem entrar, a esperança se refaz sem alarde. É um suspiro, uma brisa, um “ainda não acabou” sussurrado por dentro quando tudo parece perdido. Não é uma promessa de que tudo vai dar certo. É a certeza de que, mesmo que não dê, a alma seguirá firme, porque aprendeu a andar mesmo de joelhos. Ali eu volto, sempre que o mundo pesa, sempre que as palavras falham, sempre que o passado tenta gritar mais alto que o presente. É ali que reencontro a luz - não a que cega, mas a que guia.  E caminho. Com fé. Com paz.  E com um novo nome escrito no coração: Recomeço. Estevão Bruno Steiner

Para uma eterna e grata saudade

Joanesburgo parece tão longe hoje... Isabelle, minha flor, Ainda me pego rezando por ti — não como quem pede algo, mas como quem agradece. A vida aqui anda árida, e confesso: há dias em que o Evangelho me escapa pelas frestas do cansaço. Mas quando lembro de ti, é como se um versículo esquecesse de ser lido e resolvesse florescer por conta própria. Às vezes, minha mente me trai, e volto àquela varanda onde teus olhos tinham o dom de calar todos os ruídos. Nosso silêncio era comunhão. Nosso riso, liturgia. Eu nunca me ressenti de ti. Nem por um segundo. A tua partida me fez mais homem, mais servo, mais inteiro. Porque te amar foi a primeira vez que entendi o que era doar-se sem esperar retorno. Não me cabe saber os desígnios de Deus. Mas se houver espaço, um dia, para cruzarmos nossos passos de novo, mesmo que apenas num abraço, saberei que foi Ele, mais uma vez, abrindo mares onde antes havia pedra. Onde quer que estejas, que teu perfume de pêssego e teus cabelos com cheiro de rosas se...

Sobre as Coisas que Morrem sem Ruído

  Por Estevão Bruno Steiner Nem toda morte vem anunciada com gritos. Algumas coisas morrem em silêncio, desvanecem-se como a neblina ao amanhecer, sem que ninguém perceba sua partida. São as relações que se esvaziam lentamente, os afetos que se tornam vazios sem um motivo aparente, as palavras que não são ditas, os abraços que deixamos de dar. Essas mortes silenciosas doem sem nome, deixam feridas sem cicatriz, ausências que pesam como o silêncio. Aprendi que não é preciso alarde para sentir saudade. Nem sempre a falta se expressa em lágrimas - às vezes, é só uma sombra que acompanha o dia, um vazio que se insinua na rotina. Não guardo rancor por essas partidas mudas. Elas fazem parte do caminho, do aprendizado de que nem tudo o que começa tem um fim glorioso. Mas que, ainda assim, merece ser lembrado, respeitado, acolhido. Pois há beleza também nas despedidas caladas, e força em continuar, mesmo quando o silêncio é tudo o que resta. Estevão Bruno Steiner

A Oração dos Que Foram Feridos

Por Estevão Bruno Steiner Não peço justiça - nem que o mundo se dobre aos meus pés. Não quero o castigo, nem a vingança. Só peço misericórdia. Para mim, que carrego cicatrizes invisíveis, marcas que o corpo não vê, mas o coração sente. Para aqueles que foram esquecidos nas sombras, que tiveram a voz calada ou distorcida, e que hoje só querem um pouco de paz. Rezo por eles - não porque tenham sido fracos, mas porque foram humanos demais para suportar sozinhos. Que encontrem, no silêncio da noite, um alento que os conforte, uma luz que não cegue, mas aqueça. Que a dor não se transforme em veneno, mas em ponte - para a esperança e o renascimento. E que, mesmo feridos, possam erguer-se um dia, não como guerreiros em busca de batalha, mas como homens e mulheres que sabem que a verdadeira força está em perdoar e deixar ir. Que esta oração seja abrigo, que esta fé seja remédio, para todos nós que, apesar de tudo, ainda acreditamos no poder do amor. Estevão Bruno Steiner

A Fé que Aprendi no Silêncio

Por Estevão Bruno Steiner Nem sempre a fé veio embalada em salmos. Nem sempre se parecia com uma oração bem dita. Às vezes, ela era só o ato de continuar respirando quando tudo dentro de mim pedia pra desistir. Houve noites em que a esperança parecia um estrangeiro e Deus, um eco distante demais pra ouvir. Foi ali, nesse vão entre o desespero e o nada, que o silêncio se tornou meu mestre. Não o silêncio amargo da indiferença, mas o silêncio fértil - aquele que acolhe o que as palavras não alcançam. Aprendi que há uma fé que não se diz. Ela não se dobra em joelhos, nem se impõe em doutrinas. Ela apenas… permanece.   Mesmo frágil. Mesmo confusa. É a fé do andarilho que não sabe onde vai dar o caminho, mas caminha. É a fé de quem abraça alguém em pranto sem saber o que dizer — e mesmo assim é consolo. É a fé que sobreviveu ao abuso, à injustiça, à ausência de amor onde mais se precisava. E que um dia, cansada de gritar, se aquietou. Foi nesse silêncio que encontrei algo maior...

Carta a Quem Não Soube Ficar

Por Estevão Bruno Steiner Nem toda partida é um fracasso. Às vezes, é só o modo como o tempo nos protege de um naufrágio maior. Demorei para entender isso. Demorei para aceitar que o silêncio também pode ser uma resposta. Que não te ter ao meu lado hoje… é, no fundo, uma forma sagrada de cuidado. No início, doeu como ferida exposta. Achei que o amor tinha sido desperdiçado, que os gestos não ditos se perderiam sem testemunha. Mas hoje vejo: nada foi em vão. Nem mesmo tua ausência. Ficaram as memórias — e com o tempo, elas aprenderam a caminhar sem doer tanto. Eu queria que soubesse que te perdoo. Não por tua ausência em si, mas pelas promessas que não soube sustentar, pela forma como se despediu antes mesmo de ir embora. Te perdoo porque também já parti de lugares onde não sabia como permanecer. Te perdoo porque sei que o medo nos transforma em fugitivos, e às vezes o amor assusta mais que a solidão. Teu nome ainda existe em mim, mas não com rancor. Hoje ele mora...

Eu preciso ser eu mesmo em algum lugar desse mundo

Cada poema que eu escrevi, não sei dizer se são bons, mas eu escrevi. Não tive pretensões, mas eu senti que precisava escrever. Não quis fama nem nada disso, só queria escrever. Talvez uma parcela de mim desejasse o reconhecimento. O poema é uma voz, e toda voz quer ser ouvida, porque ninguém quer ser o louco que fala sozinho aos ventos. Mas já parou para ouvir um louco falar? Ele traz um incômodo porque nos projetamos, então fingimos pressa para não ouvir. Ou até fingimos mais sanidade do que o próprio louco porque não queremos dar-lhe crédito pelas coisas que diz. Eu não sei se toda voz quer ser ouvida, mas eu gostaria de ser. Eu fui pouco ouvido durante toda a minha vida, disso sim eu tenho plena convicção, entao me acostumei a dizer o que as pessoas querem ouvir, e eu queria que as pessoas dissessem pra mim aquilo que eu quero ouvir. Dizem que comunicação é uma coisa impossível, a menos que digamos palavras de ordem. Talvez algum filósofo tenha escrito isso. Cada poema que eu escre...

A Culpa é Deles

Texto por: Borges Sanatore "A razão de eu estar tão amedrontado e tão enraivecido é a realização de que vivemos num mundo podre repleto de abutres gananciosos que há muito tempo se esqueceram do valor da lealdade. Desde cedo somos ensinados a ter lealdade apenas aos nossos prazeres imediatos e às nossas necessidades fúteis, vãs e mesquinhas, e temos passado adiante estes valores às nossas crianças, sem perceber que elas estão a caminho de virarem adultos frustrados, mimados, inconformados com a realidade. A ação lhes foi roubada quando o conformismo tomou conta dos seus corações, e elas simplesmente aceitam a tudo, contentando-se apenas a reclamar, simplesmente reclamar. Agora por quem lutar senão por nós mesmos? Nós, humanos, somos uma imensa tribo, mas temos dificuldade de nos reconhecer como tal. Temos dificuldade de olhar para nossa casta e perceber que estamos destruindo e matando uns aos outros em busca do nosso único e puro hedonismo. Nós, humanos, somos uma imensa tribo, m...

Eu sou uma péssima pessoa

Eu não sou uma boa pessoa. Admitir isso é libertador, pois me livra de uma obrigação moral com quem quer que seja. Não estou vivendo em função de nenhum tipo de virtude pessoal e eu não quero passar atestado de bondoso. Não existo para que as pessoas gostem de mim. Os meus raros amigos me aceitam como sou, sabendo da minha natureza difícil e insuportável, e raramente faria isso, mas viver e ter pessoas que não se deixam intimidar pela minha acidez e desprendimento destas questões da moralidade é libertador. Até às vezes me permito ser grato à vida. Talvez seja a única razão que me desperta este sentimento de gratidão, por eu poder ser a péssima pessoa que sou, e ainda despertar o afeto de raras pessoas que não se deixam enganar pela necessidade de reforçar os seus egos e seu narcisismo em mim. Por isso amizades parecem realmente coisas muito raras.

Uma mentira contada mil vezes...

Não concordo com a fala popular de que uma mentira contada mil vezes se torna verdade, porque ela tem um defeito lógico bem a princípio: se eu disser mil vezes que uma casa vermelha se ergueu e começou a caminhar sozinha em direção à beira da estrada, me agredindo no caminho, a ponto de me machucar, isso não se tornará verdade. Para que essa história se torne verdade, eu preciso primeiro de um aliado, uma testemunha impressionável e que se deixa persuadir pelo que eu falei. Ele não precisa nem mesmo ser meu amigo, apenas um ingênuo que estará ali pra dar sustentação, e às vezes, até mesmo uma impressão de que a minha mentira tem lá sua lógica. Este meu aliado pode dizer coisas assim: "é verdade, pois ouvi dizer que estavam construindo casas mecânicas autômatos, que se movem sozinhas conforme as necessidades do seu dono, e são programadas com defesa pessoal, tudo pelo computador". E pronto. A minha multidão, a minha plateia, as pessoas que eu arrebato com a minha história sedu...

7 de Setembro, 4 Anos Atrás

Duplipensar é um clichê da literatura, mas um clichê inquietante e traiçoeiro. Testa nossos limites e nos culpa pela condição de vítima. Duplipensar é revisar a linguagem. Revisar a história abre a possibilidade para novas interpretações dos fatos, mas revisar a linguagem nos torna imunes às sensibilidades. A traição física é uma coisa pífia, porque para mim, ela é a medida do nosso amor próprio, e feliz é daquele que dela se desfaz tão rápido, porque permite atingir uma compreensão da dimensão da relação humana. A traição física só atinge aos que, tristemente, ainda acreditam na própria fragilidade. Eu lamento por estas pessoas que se agarram com desespero à barca que carrega as promessas de uma vida sem dor. A traição física é a dissolução do orgulho, como pó, e que uma vez sentida, dói, obviamente, mas passa. Mas a pior traição a meu ver é a da fé, mais difícil de suportar, e causa maior instabilidade quanto ao futuro. Causa danos sobre o ser, e por um instante, rompe com nossa perc...

Em Defesa do Mundo da Lua

Ele vive no mundo da lua! Ele é sonso! Esse aí vive olhando pro nada com a boca aberta. São estas as frases que eu mais escutei quando era criança.  Estava fazendo uma observação de aula pro meu curso do CELTA. A aula aconteceu numa turma da Espanha, entre crianças de 9 anos de idade, e o objetivo era apontar características do comportamento das crianças durante um aula, analisando os aspectos como Energia, Motivação, Concentração, Criatividade, etc. Eu pude ver crianças levantando da cadeira, crianças se apoiando sobre a carteira, crianças que mexiam as mãos ansiosas, crianças que pareciam que tinham uma energia tão intensa presa, que estavam a ponto de explodir... instantaneamente eu fiz uma conexão com a criança que eu fui. Eu posso estar enganado na minha análise, mas se eu pudesse ver de longe, eu diria que eu era uma criança retraída e que continha um universo imaginário preso dentro de si. Mas eu me lembro ser uma criança que imaginava tudo. Eu não consigo pensar hoje numa c...

Mal Amada

Eu passo oitenta e cinco por cento do meu dia em cima do travesseiro do sonho. Eu sonho com justiça social, com o fim da desigualdade, com um mundo mais pleno de empatia, um mundo menos preocupado com a imagem ao invés da essência. Eu especialmente sonho com um grande amor. Eu perdi todos os meus. Eu sonho com um amor que comece agora, e seja tão puro e pleno, que não existirá o ontem e nem o amanhã, e ele estará aqui. Eu sonho com um tipo de amor que já entenda que sou imperfeita e cheia de temores. Eu sonho com um amor que considere minhas feridas e meus medos. Eu sonho absurdamente com um amor onde eu possa me sentir segura, e que possa cuidar de mim. Eu sonho com um amor que não importa a loucura do mundo, ou a minha própria loucura, ele estará ali para me salvar. Eu sonho com um amor que não me culpe e não me condene, e que não me cobre um preço, pois não vou cobrar. Com um amor que não sinta que amar é demais ou insuficiente. Um amor que não me abandone à solidão. Com um amor que...

Bom Mestre, que farei eu para ter a vida eterna?

Por Estevão Bruno Steiner O sonho do oprimido é ser o opressor. Nas aulas de sociologia de países como o Brasil essa é uma frase que vai surgir a qualquer momento. Um aforismo que já foi tão reproduzido que é difícil saber quem atribuir, por causa de suas diversas variações. Lá nos anos 90 falou-se muito sobre a Globalização e a tendência de um futuro em que grandes nações não veriam mais fronteiras, estenderiam seus comércios para além de seus próprios países, abandonando o nacionalismo, formando assim uma troca de mercadorias em escala global, ou a Globalização. Junto com essa troca de mercadorias há também a troca cultural, algo bastante recorrente entre nós. Temos que aprender a negociar com o parceiro, e para isso, temos entender como ele pensa, até mesmo adotar seu comportamento. É o básico do comércio. Estas influências culturais entram nos países, ficam, são transformadas, alteradas conforme os recursos locais. Ideias nacionalistas tornam-se estranhas em uma realidade em que a...

Diego Maradona

A memória mais antiga que eu tenho de Diego Maradona era assustadora: Era a Copa de 1994. Após fazer um gol eu via aquele homem de cabelos encaracolados gritando como um diabo louco em direção à câmera. Porém eu cresci em uma casa mergulhada no preconceito, e o preconceito tem uma resposta rápida a tudo o que é diferente, o medo. Então para afastar o medo, categorizamos. "Que louco" disseram, "isso é a droga" disse outro, e ainda "ele é um cheirador". Pronto, a imagem do Maradona estava criada na minha mente, mesmo sem eu saber direito o que era a droga pra cheirar, apenas sabendo que era ruim porque me disseram que era ruim. Com o passar dos anos mais adjetivos: Maradona é amigo de assassino pelas fotos com Fidel Castro. Maradona nunca vai ser maior que o Pelé. Maradona é violento, Maradona é um grosseiro, mal educado, estúpido, irresponsável, etc. Até que me lembro um emblemático momento em que ele e o nosso maior jogador (brasileiro) de todos os tempos,...

Misericórdia

Já estive tão absolutamente pleno de amor por tantas vezes na minha vida. Eu escrevo muito sobre amor, sobre solidão, sobre o sofrimento que é o abismo entre os dois terrenos, e sobre o marasmo que é a ponte que os conecta. Por quanto tempo trafeguei por estes caminhos? Eu uso o amor como o refúgio pra esse mundo caótico? De que adianta escrever sobre o óbvio? O egoísmo e a mesquinharia de quem está no poder, que não é diferente do que a mesquinharia e a ganância de quem já esteve no poder antes. A arrogância de fazer de si mesmo a licitude em forma de pessoa, com as mãos abertas espalhando as migalhas da misericórdia. E se não fosse o amor, e a capacidade de amar, de saber que ao menos alguma coisa somos capaz de preservar em sua forma original, ou ao menos, de fazer bem, não teria já enlouquecido? Não seriam os criminosos mais sórdidos aqueles que sofreram a vida inteira da ausência do amor verdadeiro? Ou será que me engano sobre mim? Será que em mim eu sou apenas aquele que se conve...

Carta Sem Destinatária

Hoje eu escrevo para o silêncio. Não para teu nome. Não para tuas palavras que ainda me atravessam como espinhos tardios. Escrevo porque finalmente compreendi: esperar por um pedido de perdão é se acorrentar ao orgulho do outro. E eu escolhi ser livre. Sim, livre. Livre do papel que me deram numa história escrita só de um lado. Livre de carregar as palavras que não me pertencem, as acusações que tentaram me vestir como se fossem verdades. Mas eu também não sou inocente. Carrego minhas falhas — e aprendi a chamá-las pelo nome, a abraçá-las sem vergonha, porque só assim se cresce. Eu te perdoo. Não porque esqueço. Mas porque não quero mais viver com esse gosto amargo na boca toda vez que teu nome atravessa um pensamento. Eu te perdoo mesmo que você nunca entenda, mesmo que continue a contar a história de um vilão que você precisou inventar para justificar a tua fuga. Te perdoo porque eu também fugi . Porque éramos dois machucados tentando amar, e confundimos prese...

Meu Tio Mestinho

Uma lembrança carinhosa me aqueceu o coração esta manhã. Eu me lembrei do meu tio José Augusto Costa, o Tio Mestrinho. A gente chama ele carinhosamente de Mestrinho, ou Mestinho, porque ele aprendeu o ofício de sapateiro quando era criança, acho que com o meu avô, o Vô Costinha. Meu tio cresceu e viveu de sapatos, e durante um tempo veio morar aqui em casa. Eu queria ornar com lembranças inocentes de criança, mas eu acho que absorvi demais do sentimento de incômodo dos meus pais, e por muito tempo isso me envenenou, por muito tempo eu vivi uma mágoa. Acho que hoje isso finalmente dissipou, afinal, eu era criança, todos nós éramos crianças. Os problemas que aconteceram entre meus pais e ele, eram coisas de adultos, e sinceramente, até hoje eu não sei o que foi. Acho que não importa. Lembro que meu tio às vezes deixava o cabelo crescer, e ele tinha uma cabeleira encaracolada que deixava o rosto dele bem charmoso. Lembro também que ele tinha um furo no queixo, aquilo era curioso pra mim. ...