Pular para o conteúdo principal

Carta a Quem Não Soube Ficar

Por Estevão Bruno Steiner

Nem toda partida é um fracasso.
Às vezes, é só o modo como o tempo nos protege de um naufrágio maior.

Demorei para entender isso.
Demorei para aceitar que o silêncio também pode ser uma resposta.
Que não te ter ao meu lado hoje…
é, no fundo, uma forma sagrada de cuidado.

No início, doeu como ferida exposta.
Achei que o amor tinha sido desperdiçado,
que os gestos não ditos se perderiam sem testemunha.
Mas hoje vejo: nada foi em vão.
Nem mesmo tua ausência.

Ficaram as memórias —
e com o tempo, elas aprenderam a caminhar sem doer tanto.

Eu queria que soubesse que te perdoo.
Não por tua ausência em si,
mas pelas promessas que não soube sustentar,
pela forma como se despediu antes mesmo de ir embora.

Te perdoo porque também já parti de lugares onde não sabia como permanecer.
Te perdoo porque sei que o medo nos transforma em fugitivos,
e às vezes o amor assusta mais que a solidão.

Teu nome ainda existe em mim,
mas não com rancor.
Hoje ele mora naquele canto suave onde guardo o que não voltou,
mas também não me destruiu.

Se algum dia teus olhos encontrarem estas palavras,
que saibas: estou bem.
E espero que você também esteja.

Não te guardo no altar da raiva,
nem no cárcere da saudade.
Guardo-te na página já virada —
não esquecida, mas pacificada.

O tempo, esse velho curador sem pressa,
me ensinou a respeitar o que se desfaz.
E a fé — ainda que trêmula —
me ensinou que o amor verdadeiro não exige posse,
nem presença contínua.
Ele só deseja que o outro esteja em paz,
seja onde for.

E eu desejo tua paz.

Com todo o silêncio que você me ensinou a amar,

Estevão Bruno Steiner

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Chamas de Yemanjá

Almíscara penumbra O ar que pesa em febre As sedas ardem chamas Verte-me a maré da criação. Recebo em exortação As faíscas que te explodem sob a pele  Cubram-me, estrelas cadentes. Ergo-te minha aberta taça Largo anseio a coletar Neste cristalino cálice As pérolas de deleite mar. Perfeita ondulação Com um arqueio para trás Transmuto em Eva Rosa aberta das Mil Noites Das mil insaciáveis noites! Sem medida. Deixe que caiam Que cerquem-nos as brumas Banham a alma o noturno orvalho Ouça este canto É a beleza do profano hinário. Neste sonho vivo Altivez de devoção cutânea  Rito ao lúgubre exorcismo  Governa e acata simultânea. Sorve dominada a benta água Aceita a nativa incumbência  A viva e infinita exultação. Quente e pesada Cai a noite Salto na cidade inteira Soltas rubras copas Sem medo Reflexo brilhante das estrelas Embebe o lacre dos segredos. Quente e pesada Em açoite Salta a cidade inteira Um, dois, três, quatro Brindem ao pórtico Abraçados às cortinas Rasguem o m...

Erospectro

Dança a débil seda da cortina em altivez Acaricia, enquanto sôfregas, balança O alabastro lívido de porcelana tez. Ajoelha ante a luz da superfície pálida Princesa portentosa do teu estreito templo Aporta em silhueta a majestade cálida. Anda, paladino, sobre a laiva curvatura Forrada do plantio de calêndulas laranjas Descansa à boda quente da lacuna escura. Venera esta abadia, pétala a pétala Diante da minha dupla onírica imagem Repousa em cada vale de divina sépala. Despeja-me o orvalho em êxtase, a coroa, Na carne-alvura arqueja em nosso infausto cio, Em véu e labareda, um altar, uma pessoa. E quando finda a música, resta-me a visão: Princesa, diabo, luz, deleite em união, No espelho sorridente à criadora perdição. 

Dez Mil Dias

Certo dia foi assim Peguei o ônibus Sentei na calçada fria Esperei falarem comigo Deixei a mão suspensa, em vão E em um gole, matei minha sede Para no segundo seguinte Você não estar mais aqui.  E soube certa vez Que não estava mais aqui Às vezes Quem não está Parece nunca ter partido. Te via na luz Te via no amanhecer Te via Te vejo Na minha vontade de morrer. Tua voz que parei de ouvir Ainda soa para mim. O teu perfume de ternura Sinto em todo lugar O teu semblante de aurora Vejo-o nas pontas dos dedos. E sobreponha a  eternidade Entre o que plantou em mim E o fim do mundo E você ainda estará aqui. É assim mesmo. Porque  Ante a catástrofe  A confusão A existência O desamor e a desilusão A tristeza e o rancor As mágoas e a reclusão Três palavras Quatro sílabas A minha incapacidade humana de decifrar A dissolução da minha angústia: Eu amo você. 📿📿📿📿📿📿📿📿📿📿📿📿📿📿📿 Tudo isso começou no dia 06 de Maio de 1998.