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Mostrando postagens com o rótulo Matheus Vieira

Pedro

Antes do pôr do Sol Pedro mudou de opinião três vezes Na primeira vez defendeu o ataque às tiranías Porém apaixonou-se, casou-se e comprou uma casa. Na segunda vez defendeu que houvesse o direito de proteger sua propriedade  Mas a mulher pegou-o em flagrante na janela aos desejos pela vizinha seminua. Na terceira vez defendeu o direito ao salário mínimo universal Ainda que todo Carnaval viajasse de férias para os resorts nacionais. E ainda que Pedro mudasse de opinião por uma quarta vez, não teria mais tempo. No escuro, na quietude da alma, só se ouve a orquestra dos gafanhotos. E o mar segue sendo mar. As folhas das árvores seguem em seu ciclo de renovação. O silvo da ventania farfalha a floresta como em zombaria.

PC Siqueira

Foi extremamente triste a morte do PC Siqueira. Nem toda morte é triste. Há mortes que acontecem, e a tristeza fica na saudade, mas nos sentimos felizes por aquela pessoa ter existido. No caso do PC, eu não comentava nos vídeos dele mas sempre o assistia.  Eu sempre defendi que o PC Siqueira por causa daquele infeliz caso, ele não foi aquilo do que todos o acusavam. PC Siqueira era depressivo, e em quadros graves, quando a doença está fora de controle, o depressivo se torna autodestrutivo, inconsquente, não se permite limites. Isso em todos os aspectos: físico, social, mental, emocional, não importa. A pessoa simplesmente não se importa com mais nada. Eu acredito que naquele comentário o PC já estava tão aquém dos limites do que choca as pessoas que ele foi lá e simplesmente disse. Ele pensou "eu me odeio, minha vida é uma merda, foda-se, eu vou dizer, e foda-se" e ele disse, e aquilo trouxe toda a reviravolta para a vida dele que o colocou nessa rota de loucura e solidão. Es

O Lago

Caminha entre alamedas tortuosas E a abóbada de bosques sigilosos Adentro a mata o encanto avistai Repousa obliterado o grande lago. E largo encontra em límpido repouso Defronta diante em margem distorcido Silêncio com remanso se emaranha Enigma malcontente insuflado. Atira-lhe uma pedra e de onde em onda Emergirá um monstro adormecido Até que venha o próximo remanso Até que a fenda em sangue desvaneça.

Terezinha

Dona Terezinha assistindo a novela de Asa Branca Seu Roque Santeiro, santo do falso milagre. Falava com Porcina: - Entre aí não sua boba. Bicha besta! Mas Porcina ia mesmo assim. Estrela gravada na memória. Desliga o vidoguei Apanha a bassôra Espie, espie, espie Valei-me, Deus me livre! Sua palavra transborda de fé Sob seu pilar, histórias de milhões. Terezinha tem nome Santa. Santa Terezinha. Estrela gravada lá no céu.
Eu acordei com o som de água caindo, achei que era uma rara chuva de inverno, mas era só o som dela tomando banho. Levantei apoiando os cotovelos na cama, e olhando pela frestra da janela, apenas uma linha de luz, desorientado, não conseguia saber a hora, claridade da manhã, ou se era manhã, se fazia frio ou calor, se era hora de se levantar ou se ainda podia ficar alguns minutos a mais para relaxar o corpo da preguiça. Levantei e fui até a porta do banheiro. Tínhamos um banheiro em nosso quarto. - Amor, você viu meu isqueiro e meu cigarro? - Oi? Falei mais perto da porta - o isqueiro e o cigarro. Você viu? - Dentro do bolso? Não tá? - Ah tá - confirmei quando achei - você não trabalha hoje? - Falei enquanto caminhava para a janela. Acendi o cigarro e fumei distraído olhando para as janelas do prédio vizinho. Eu não sei porque eu ainda faço isso, fumar, assim como eu ainda não sei porque olho para a janela como se tentasse tentar na casa do vizinho com meu olhar. Morávamos em um condom

Declínio Pós-Guerra

As imagens eróticas no jornal. Sangue escorrendo da testa das crianças Escombros e mulheres em agonia O homem pende murcho com os olhos no vazio. Um espetáculo pornográfico Tanto quanto eu tanto quanto nós Contemplo o teu nome marcado na sepultura. Ainda que eu te veja no lado de fora do sepulcrário Você me acena e sorri com tristeza Murchos com os olhos no vazio Teu nome jaz inerte na pedra, na alma, na carne e no coração.

A Educação Falhou

Um dia um aluno me disse "a educação pública é muito ruim", no que eu respondi "sinto saudades de quando a educação no Brasil era ruim, porque hoje ela é inexistente". Eu não exagero quando digo isso, que a educação falhou. Não me limito apenas à educação pública. Atuei em diversas frentes educacionais: privada, pública, voluntária, cursos livres, e em todas elas, o cenário mais ou menos se repete, com professores completamente desvalorizados. Numa sociedade que presa e almeja apenas o material como qualidade de vida, o que você ganha também determina o seu prestígio. O ganho pessoal e o mérito financeiro estão acima de valores humanos que, sejamos francos, ninguém se importa hoje em dia. Não adianta falar de respeito, amor, sócio afetividade, não adianta. Há uma espécie de máquina de moer humanidade em curso nesse mundo, e os jovens foram cooptados por ela. Deram a eles um protagonismo sem ensinar primeiro o senso de responsabilidade e a importância que isso tem pa

Bucolismo

Com tua carroça cheia dos restos da cidade O catador para diante da margem do rio É um rio largo, escuro, mal cheiroso Ele observa o reflexo nas águas, suspira e vai embora: - Esse rio é tipo um abismo. Todo dia passa ali, com tua carroça colorida de catador. A engenharia é uma piada tecnicista Tem uma TV quebrada Num celular, uma antena de carro, só por ironia Um CD de um grupo de Axé que já acabou - o resto de uma alegria do passado - Uma boneca vestida com roupa de mecânico Restos de móveis Restos de roupas Restos de memórias fragmentadas. Ele mira o reflexo nas águas, suspira, e vai embora: - Esse rio aí, é um imenso abismo. Todo dia é a mesma coisa. Do outro lado da margem do mitológico rio:  A vista bucólica de um jardim bem cuidado Casas em seu devido lugar Pessoas em seus devidos lugares É tudo como se fosse um sonho. Ele olha as águas, se vê no fundo distorcido, suspira, pega sua carroça e vai embora - Um dia atravesso o rio. O rio é quase sem fundo e quase sem vida.

Eurípedes

A moça de 26 anos busca a noite para ser de novo menina. O motorista de ônibus anseia pela última viagem. Salta o coração da faxineira sua canção favorita no rádio. O homem de negócios espera uma ligação importante. O professor olha, esperançoso, a letra cursiva do garoto. A enfermeira limpa com zelo, o corpo do paciente, prestes a se recuperar. A garçonete pode receber uma gorjeta. Todos , de alguma forma, porém, se encontram no caos do cruzamento central da cidade. Enquanto a felicidade não vem.

A Praça

Chegando na praça central Ouço os ecos e os rumores De uma vida que parece outra Os risos de andarilhos sem caminho Os caminhos de passos tortuosos O desgaste do que antes fora arte As estátuas sem nome Os nomes nas placas sem história Folhas caídas pelo chão  Os recortes no ar, de galhos retorcidos Ominoso, lugubre e risonho Será que um dia voltarão a florescer? A cada suspiro uma mão distante me acena Miragem ou ilusão, um consolo de memória. Por que tão vazia? Por que tão pouco visitada? Por que assim, remota, esquecida? Cercada de casas sem família Cercada de muretas sem ter o que proteger Nesta praça de ruas que não vão e nem chegam Somente o velho reina Meu filho, diz o vento, é assim mesmo. Quantas vezes soube tu, alguém que guardasse teu nome? A praça tem som de tranquilidade e cheiro de saudade.

Passado em Cinzas

A vida é um Casino Onde a moeda é o tempo Apostas à mesa A decisão é um jogo de sorte Cada perda custa caro E ele ou ela que foram um reinado Moveram mundos e multidões Diante do último suspiro até onde a vista mira Como sentiram-se estúpidos no anoitecer. Paguem esta conta com cinzas ou sangue Limpem os pés ao sair E guardem os sapatos no baú da memória.

Torre de Marfim

Creia na força da palavra E no ato da nota creia Que para cada verso bordado Firma-se o tecido na veia. Leia o leito caudaloso  Deguste este versar Como quem costura A boca do teimoso. Pois tecidos, não trapos Esgarçam-se na pele Mal os tapam o frio E a pouca das vergonhas Enquanto versos desenrolam Transbordam sangue lá e cá  Dos corpos que caem pelo rio. Do alto de suas torres de quinquilharias finas O som de seu clamor íntimo morre pelo ar Como quem, de apelo surdo  Morre de fome no chão. Obrigado por explicar  À existência da minha miséria A miséria da minha existência.

Dopping

Eu te escrevo esta carta Enquanto em minha mente Tudo cheira a ferro Deitado em leito esplêndido Um homem sem feição  Analisa os ferimentos  Ele não mirou nos olhos Cantarolava um rock Enquanto agonizava em vida  Na descida ao litoral A ventania bagunça os cabelos Mas na memória penteadeira Manchas pretas nas digitais  Nas últimas linhas em tinta E no pensamento tarde demais.

Experiência

Quanto se nega ao coração A verdade de uma morada verde? Pouco serve o maduro fruto  Se o que se morde é sem sabor! O enquadro é farsa, sentido vão A pintura esparsa, vazia visão Quando muito tem-se tempestade O que sobra e sente é sopro Tredo abraço que outrora afaga Nessa falta é tudo o que sobeja.

A quem serve a ciência?

A quem serve a ciência? A quem ela serviu durante todos esses anos? Ela esteve presente na sociedade como uma instituição de conhecimento a serviço das necessidades gerais da população mundial? Ela esteve a serviço do enriquecimento de grandes corporações? O quanto de ciência merecem as pessoas dependendo da sua classe social? O espantoso para mim, em 2020, não foi o motor anticientífico, nem o negacionismo, conduzida pela condução sensacionalista do jornalismo brasileiro, uma prostituição da integridade informativa em troca de views, audiência e publicidade. A população mais pobre, essa massa generalizada e completamente excluída do direito de identidade, de individualidade, uma vez que é definida massa, é essa aglutinação forçada e imposta pelos porta-vozes do saber, esteve sempre aí como objeto de laboratório, e sempre foi excluída do debate científico. A bem da verdade, o cientificismo brasileiro foi tomado pelo corporativismo, pelo autoritarismo e pelo elitismo. Em certo momento p

Maquinista

O maquinista puxa o cordão A locomotiva apita Chegou o trem, o povo sobe A locomotiva sai O maquinista puxa o cordão Saiu o trem, o povo espera A locomotiva apita O maquinista puxa o cordão Checou o trem, o povo desce Mas então como se fosse num sonho A locomotiva não apitou mais O trem não saiu e nem chegou mais O povo não desceu e não sobeu mais O maquinista parou E como se fosse num sonho Olhou para o horizonte e viu o pôr do sol Pela primeira vez soube o que é calor Em lágrimas, bateu forte o coração Sorriu, pediu perdão e se apaixonou. Na estação, adormeceram mil anos de amores O tempo não mais se foi, estacionou. A locomotiva em ferrugem, vagão de flores.

Castelo de Praga

Castelo de Praga Tua bela arquitetura Teus belos portões represando a segurança Tuas belas torres que erguem-se à perder da vista Das mais belas voluptuosas imagens do céu Tuas belas janelas,  que em grande parte  Portam a frágil luz sobrevivente Da vela que há muito se acendeu e morre Pouco em pouco  Derrete-se sobre o parapeito  Jaz a lâmina de um guerreiro absoluto lá E do outro um penhasco aqui. Muito se especula das batalhas no arredor Pelos longos infinitos corredores  Que aos ecos servem de abrigo Ecos de todos os tempos e sorte de emoções Tuas pontes que interligam todos os caminhos E que trazem todos os tipos augúrios Sem muita proteção. Pouco sabem das batalhas de seu interior Os gritos de dor e desespero Os prantos que ergueram os seus muros As valas que escondem morte e sofrimento Os silêncios e murmúrios de corações que sangram As mulheres que aos gemidos confessam o coração As palavras que cortam o vento Os esfregões que lavaram lágrimas e secreções Os choros de nasciment

A Chave 2

Cada qual, ao que se parece Carrega desde que se nasce Uma chave em bolso tece Que em desuso se desvanece As vozes que nos sussurram Mais parecem zumbidos - Vai para lá, vai para cá Vai para lugar algum. Quando se encontra uma fechadura - Entra aqui menino, Aqui é a casa de agrura. Que é agrura? Fica e saberá. Às vezes as vozes erram Nos levam pra qualquer lugar A chave da infância não foi fantasia A porta que se abriu foi armadilha.

Ponto e Vírgula

Fique comigo  Fale comigo  Dance Comigo  Essa história tem ponto final Mas não é agora.  Sempre há espaço para mais  Espera;  Sei que te seduz  Laço ou pulseira vermelha  A palidez e a falta de ar  E ponto preciso  No buraco aberto das têmporas  Fique comigo  Fale Comigo  Dance Comigo Faça uma oração.  Ainda não acabou.  Como acaba o mundo  Enquanto a gente se distrai?  O coração como uma prateleira de enlatados  Como encobre o mundo  Enquanto a gente se destrói? O coração como uma praia de encalhados  O último canto da baleia não embeleza  O último encanto da princesa não eleva  Mas ainda não acabou  Fica comigo  Carrega tuas tralhas e amontoados  Fala comigo  Mesmo numa língua errada  Dança comigo  Mesmo com os passos em falso  Ainda não acabou  Mas vai, vai.  Vai.