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Corpo Fechado

Hoje decidi não estar pro mundo

Levantei o dia largando as meias pelo chão

Não dei bom dia ao vizinho.

E também nem aos gatos.

Não falei com o passarinho.

Não molhei as plantas e nem lavei os pratos.


Fiz questão, como quem faz quando tem sede,

De dar companhia ao meu abandono.


Quis meu corpo deitar-se no chão,

Deixei.

Não pra servir de passagem,

Mas pra ouvir o meu refrão.


Os pensamentos, que vagaram

Por tantos corredores sombrios.

Larguei-os todos nos labirintos

Destes relicários mais frios.


Deixei, por hoje, de ser bagagem

De dar carga a uma alma doente.

Permiti, somente, ser a coragem

De um corpo pleno recipiente.


Hoje, quando a manhã é gélida

Eu quem vestiu minhas roupas

Não foram elas quem me vestiram

Desta pele rude, seca e pálida.


Hoje, enquanto o mundo inteiro

Segue indo no itinerário

Decidi honestamente, por inteiro

Ser-me um apenas solitário.

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