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Mostrando postagens com o rótulo Isabelle La Fleur

Chamas de Yemanjá

Almíscara penumbra O ar que pesa em febre As sedas ardem chamas Verte-me a maré da criação. Recebo em exortação As faíscas que te explodem sob a pele  Cubram-me, estrelas cadentes. Ergo-te minha aberta taça Largo anseio a coletar Neste cristalino cálice As pérolas de deleite mar. Perfeita ondulação Com um arqueio para trás Transmuto em Eva Rosa aberta das Mil Noites Das mil insaciáveis noites! Sem medida. Deixe que caiam Que cerquem-nos as brumas Banham a alma o noturno orvalho Ouça este canto É a beleza do profano hinário. Neste sonho vivo Altivez de devoção cutânea  Rito ao lúgubre exorcismo  Governa e acata simultânea. Sorve dominada a benta água Aceita a nativa incumbência  A viva e infinita exultação. Quente e pesada Cai a noite Salto na cidade inteira Soltas rubras copas Sem medo Reflexo brilhante das estrelas Embebe o lacre dos segredos. Quente e pesada Em açoite Salta a cidade inteira Um, dois, três, quatro Brindem ao pórtico Abraçados às cortinas Rasguem o m...

Diante do Espelho de Eva

Deidade minha senhora, sempre em chama,  Tua boca ampla macia leva ao chão.  Rubro ímã, fordil de que reclama,  Se ajoelha, perco-te em oração.  Lábio que já até abate impérios,  Arbusto estandarte de querer,  Contemplo no espelho, mil mistérios  Deseja o outro, roga-te a sofrer.  Oh fidalga autora que devasta,  Tenra rubra,  perde-se e implora,  Beija, agarra, fissura nefasta Hecatombe quente que aflora. Abre, descativa: eu me rendo,  Aparta-me, sou só a pele e o som.  Que venha a seiva, o toque, o alento,  Que não há além altar deste teu dom.

Cortina de Cetim

Rouba-me as forças, Sim, eu desfaleço Quando os dedos correm E retratam a curvatura Das cortinas de cetim. Brancas, negras ou rosadas Cobrem, protegem, aludem Bruma vontade malograda Sob coral desejo e penugem. Portas da genuína vida Abre-as, largas, para mim Explora com cuidado aventuroso Em busca do macio carmesim. Venha até ela teus murmúrios Úmido disfarce ante o portal Que a tua boca aberta em perjúrio É o santo manto ruindo, mortal. Abre o que isto transformei em rito A brisa fresca adentra o limiar A porta treme, responde em grito Sussurro Sibil, e canto lacrimoso À voz de melodia insolvente E ao corpo que se solta, se desprende Como pode, pergunta o riso crível Que algo tão pequeno, tão frugal Desmonta a força inteira de um ser Deixando-me entregue, irracional.

Partem os convivas, mas Eu Te Amo

Penetrem convivas, os amplos salões Contemplem, com "ahs" e "ohs" Num brio de coros libidinosos O mármore de Afrodite e Baco Os lautos chamados suntuosos. Bebam Comam Fodam! Desçam com as estacas Em visco escorregadio Engasguem, salivem O assoalho em verniz. Num indecente sóbrio manto Em uníssona voz e contraponto  A ápice volúpia, nosso canto. Durmam E depois do riso Da bebida Da partida do gozo Sumam daqui! Saiam todos! Larguem as taças  E a restinga da algazarra! Deixe-as que eu recolho Como sempre o fiz Os cacos de vidro pelo chão. Entre o sangue da dor E do abandono Uma jóia quente e macia. Cai em mim a sua mão. Vai então, minha clara confissão: Eu te amo até o fim dos meus dias Eu te amo até quando puder respirar Esse ar fétido que nos cerca Eu te amo até que fique em carne viva Da vida que me trouxe de volta Eu te amo, coelhinho, oceano. Repousa aqui tua mão e não solta.

Juramento

Se a mim coubesse  Ser o resgate deste cântaro Montado em partes Despedaçadas em descartes Se a mim fosse dada esta missão Veria-me entregue Perante a ti Ajoelhada ao chão Mãos arqueadas ou boca aberta? Sangue escorrendo pelos braços Ou néctar desenhando os lábios? Tanto faz Teu prazer Minha paz. Até que em teu peito encontrasse novamente O contorno do inteiro que perdeu. Se a mim, motivo fosse dado Cataria contigo em cada canto Em cada esquecida esquina Os pedaços que são a tua sina. Roubaria este nada que a noite te visita E o afogaria no que escorre do meu ventre Até que o nada disso restaria Além do vestígio do perfume Que tua visita deixa hospedaria. Se eu pudesse, sentaria em tua cadeira Minhas mãos, teu manto Os meus joelhos, opostos Na maciez rígida que me parte E deixaria ail, chorar Esvaziar dentro de mim Até que o sal que cai do nosso corpo Pernas balançando, meio morto. Até que lágrima que espera insistente Traria-nos um sorriso sóbrio, dormente. Se eu pudesse, daqui de...

Deitando com Caronte

Noite, me veste Como minha verdadeira pele Noite, essa noite em liquidez Que do rosto me escorre Essa noite que punge, que sangra Noite que despe, noite que morre. Corvo que em mim pousa Que grasna teu canto perfurante Corvo que me invade Ofega em mim e me sufoca Afaga tua saliva que escorre Do meu rosto que arde Rosto que não é meu, que morre. Verme que em mim rasteja Que me toca sem pedir Verme que me devora De dentro para fora e me destroça Sua gosma necrófaga escorre De um rosto que não é meu Verme que rasteja, verme que morre. Espelho, espelho meu Quem é a moça mais bonita? A do corpo roubado Ou do corpo que é seu? Diz para mim, ou não diga... Espelho que não meu.

Sacrum Putridaeque

  sacrum putridaeque "Animae exspirant, redire nolentes... Sed redeunt in sudore, dolore et metu, formam suam relinquentes." ✝ Invocatio Sacroputrida: Vox Ultima Ex Reliquiis ✝ Substância em ardência Como que em condenação Ao inferno da tua ausência. De seu cílio cai o lastro Da aurora poma aberta Afligida ao omisso mastro. Minha boca sente a míngua Pela privação do tato Da oração com tua língua. Numa parte sem ritual E eu aqui que só me encontro Do meu gozo sepulcral O meu tédio, meu remanso Invocatio sacroputrida Sem perdão e sem descanso! Ora em mim sem castidade Faz-me diário do teu ímpeto, Sem decência ou piedade! ================================================== Invocatio Sacroputrida: Vox Ultima Ex Reliquiis Substantia in ardore Quasi damnationis Ad infernum absentiae tuae. De cilio eius cadit onus Aurorae pomum apertum Afflictum ad mastum neglectum. Os meum sentit inopia Privatione tactus Orationis cum lingua tua. In parte sine ritu Et ego hic solus invenior Gaudii m...

Nosso Livro de Seshat

Você que carrega nas palavras O amor devoto dos desesperados Abre lentamente este livro Das minhas íntimas memórias Enquanto te transbordo meus versos. Cada página,  O sussurro do que guardei Para quando você chegar: Meus  toques secretos Tuas lágrimas secas Meus gestos discretos. Cada capítulo O testemunho do que herdei Desde a gênese tragédia Das flores que atravessam os anos Ante esta infame comédia! Você que lê com a carícia De ativo dedo à cicatriz Rascunha minha página usada, Ardendo o nome que eu sempre quis! Este livro de incerta conclusão Sem capa, marcador ou proteção. Apenas tua escrita viva Marcada inteira no meu solo Apenas nossa história apócrifa Ardendo inteira no meu colo!

A Câmara Oculta de Asmodeus

Ruídos no meu porão Desci com minha própria lanterna Para me cegar com a escuridão Escrevo com o meu sangue  E recebo o aplauso pela tinta Cada palma: um prego a mais neste caixão. A musa me usou como hospedeira Não sei se estou pronta a sentir Ou deixar o desespero na moldura Todo verso que escorre de mim É uma mentira implorando por cura. Cada estrofe sai como a morte Daquilo que escondo sob o chão Tento ressurgir qual a consorte De um pecado - sem extrema unção.

Erospectro

Dança a débil seda da cortina em altivez Acaricia, enquanto sôfregas, balança O alabastro lívido de porcelana tez. Ajoelha ante a luz da superfície pálida Princesa portentosa do teu estreito templo Aporta em silhueta a majestade cálida. Anda, paladino, sobre a laiva curvatura Forrada do plantio de calêndulas laranjas Descansa à boda quente da lacuna escura. Venera esta abadia, pétala a pétala Diante da minha dupla onírica imagem Repousa em cada vale de divina sépala. Despeja-me o orvalho em êxtase, a coroa, Na carne-alvura arqueja em nosso infausto cio, Em véu e labareda, um altar, uma pessoa. E quando finda a música, resta-me a visão: Princesa, diabo, luz, deleite em união, No espelho sorridente à criadora perdição. 

Morango Dália Alcaçuz

Tem a mim porque paixão  Ou a ti porque plateia? Labirinto em expansão  Sangra altiva e me ateia  Somos alma dupla escura  Entre em minha sacra fenda Cobre em manto a sepultura  Rude altar em oferenda Solta tinta enquanto pulsa Não escrevo por espetáculo  Manuscreve-me Alcaçuz  Goza ao Delfos, meu Oráculo  Purga, inferna-me e pune Lava eterna-me imune Quente arde em chama vil Em teu  cárcere sombrio.

Tua Palavra

Palavras como fios E teus dedos costurando Um caloroso manto Para minha sombria alma. Palavras, que como pão Desta tua fome tão antiga Onde cada sílaba que canta Vira a ceia da minha calma. Palavras, como tuas mãos Que quando escreves meu nome Eu sinto O calor do teu gentil enlaço. Palavras como a brisa A brisa que a mim veio  No alívio das noites infernais Na doçura dos teus braços. E se ousa um dia duvidar Da força daquilo que escreve Lembra: O mundo que é só trevas A vida que era nada Tudo começou, até amor Pela Palavra.

Liturgia dos Corpos Doentes

Conheci um dia um artista que me despiu por inteira Despiu-me com palavras Com olhares Com um toque suave Mas de tão suave que me fez incendiar Gritei teu nome como se grita por uma prece E ele, ele orou em mim Fui deusa Ele foi altar Fui esperança Ele foi templo e contemplação! E quando balançou teu aspersório Fui tua bacia de água benta Tu, lavou-me em oferenda e salvação. Diz ele para mim Escrevo, escrevo sim um poema Neste teu coração vadio e sem rumo Porque escrevo como quem sangra E te amo como quem morre. Ouço longe como do outro lado do mundo O lamento de um passarinho solitário Tenho ele preso em tua jaula Venha buscar a tua chave Através dos densos caminhos do meu bosque.

Eu Fico

Te escutei no acorde mais bonito Da canção que mais me faz chorar Quando te lembro em meus braços Sinto que enfim tinha meu lar. Tuas paredes lisas, plenas de aberturas Mas eu também estou quebrada E é nessa cama em que estivemos Que eu enfim estive amada. Pelas tuas frestas sussurra a luz suave Que te ofusca em sombra, mas a mim protege Te entrego então estes versos, não promessa Como a oração de quem te amou sem pressa. Falhei, falhei, perdão amigo Não tive como ti a mesma força Mas saiba, na memória, que é comigo Dos doces beijos de agonia me contorça.

Ao menino de 1998

Em uma noite qualquer de 1998, um menino. Ele se encolhe no chão, agarrado aos joelhos, chorando por... por todos os motivos que sempre o faziam chorar e se sentir profundamente solitário e abandonado. Ele escuta uma voz no escuro: "Ei, pare de chorar. Enxugue estas lágrimas, e pare de ter medo. Olhe esta caixa debaixo da sua cama. Hoje o dia foi bem difícil, como a maioria dos dias. Mas debaixo da sua cama, veio de um tempo distante, mas não tão distante assim, uma mensagem para você." O menino se levanta, busca coragem e olha. Tateia com a mão e sente um objeto retangular. Debaixo da cama ele encontra uma caixa de madeira simples. Ele puxa com curiosidade, levanta-se do chão como um herói abatido, e, com a caixa nas mãos, vai até a cozinha. Acende a luz e senta-se na mesa do jantar. Ao abrir a caixa, descobre uma carta escrita a mão em uma caligrafia séria e gentil. Não sabe se deveria ler, porque não tem certeza se a carta é para ele, mas ele lê mesmo assim. A carta dizia:...

Cometa!

 - Você ouviu dizer no jornal que um meteoro vai rasgar o céu? - Sim, meu amor, mas não importa! Deita! Dançamos ao som do caos Fiquei rouca, fiquei louca Tatuou suas mãos em mim Em todas as partes de mim Até onde não conhecia Lá, estrondo, poeira, desespero Aqui, a trombeta do regozijo Lá, morte Aqui, sono. E então, uma mancha laranja persistia no céu A destruição era bela, fascinante, encantadora Teu calor ainda jazia A cratera do meteoro no chão me fez chorar a tarde inteira. Meteoro não, cometa!

Devaneio de um Sonho

 Eu vejo a distância a morte de uma flor Primeiro ela para de crescer, numa decisão impetuosa A cor que desvanece, empalidece, esmorece. O perfume cheira a frio e a saudade. Pouco igual ao fim de um espetáculo Testemunho o longo adeus, se recolher Dá-lhe água, adubo, carinho ou amizade Ela existe mas para de viver. Na veia corre o sangue em aflição Pois mesmo queira a flor se extinguir Mais forte sinto ainda o desistir. Pra que escolho esta flor como objeto? Servir como o frescor de um novo amor? Ou o consolo expurgo desta dor? Como a vela em dia claro, sob a luz ardente Não quero que se vá, que me deixe, que termine Como pés cansados num deserto transcendente Pende a pétala no instante em que decline. E as pétalas as deixam, avassalada Uma morte por dia, a flor que emudece Mas menos que um sopro de vida Ao cadáver de pé, uma prece: Tenta, a vida que se arrasta, arrasta ainda e segue.

San Michele a Ripa

Sai da espada tua lágrima de pérola E atira-me violenta à danação eterna Esta prisão de sangue, suor e sorte. Com o tordo e larva preso em tua jaula Que ao ter a porta esgarçada e frouxa Voa em certa liberdade para a morte. No pulso, a cela em ferro e estilhaço Do cheiro ao gosto da ferrugem rompe No indulto face em frente à encruzilhada? Tuas janelas que ao Tibre se refletem Olham fundo ao abismo que os mira De uma boca dolorida e desdentada.