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Em Ruínas a uma Flor

Minha flor despedaçada

Amordaçada, na sombra obliterada

Deixada para trás, enquanto o mundo ainda é mundo.

Ergo-te agora

Com ânsia nas mãos e o peito aberto

Cobrindo este altar com o espinho pungente do não dito.

Que cai feito orvalho e perfura-nos o peito.


Cada cicatriz, marca e memória

Cada silêncio imposto

E cada ausência de cuidado

Que te abriu essa cova

Eu venero.


Vem cá e se cobre 

Protege-se do ar gélido

Quer um chá? Uma história de ninar?

Aqui, talvez, desague

Escorre sem pressa, temos todo o tempo do mundo

Nestes próximos cinco minutos.

Tudo que aqui vê agora

É teu.

Este espaço

Este momento

Este tempo

Onde só nós habitamos.

Deita, veste teus panos de delicadeza

Eu recolho nossos fragmentos

Ainda que se confundam

Teus, nossos... meus!

Aconchega tua bagagem

Eu dobro tuas roupas

Até as que você ama usar

Mas nunca te deixaram

Tuas roupas, quaisquer roupas

Que te embelezam como o último pôr do Sol.

Aqui, neste som distante

Onde tudo parece esquecido

Só existe nós por enquanto.


Deixa, eu fiz uma cabana

Depois, pegaremos estas palavras duras

Em pedra de polir

E faremos punhais

Rasgaremos a escuridão 

Falaremos de quando não havia som

Atearemos a chama do desespero

Para eu te acender a tua paz.

Não a minha, a tua. Deixa que depois a gente faz.

Mas agora, não, não.

Deita tua cabeça aqui

Deixa eu segurar tua mão.


E enquanto dormes, deixa que eu...

Por tudo o que não foi

O medo, que se apossa ante cada dobra

Tudo o que nos roubou 

Nosso ser

Nosso canto

Nossa história 

Nosso direito por lembrança 

Deixa que a voz que arde em rouquidão 

Seja a minha, não a tua

A tua, por hora, descansa 

Deixa eu segurar tua mão.


E deixa, ainda que se envergonhe 

Se insigne, se indigne

Deixa que você seja

A Santa

Com teus segredos abafados

Nas cortinas

Nas portas de madeira

Nas dobras calejadas de teus dedos

Teus anseios interditos

Teus gritos enterrados

Sob a sepultura do nosso leito!

O altar dos joelhos gastos

Gastos de tanto se curvar 

E que este teu fardo seja meu

Que seja eu teu refúgio 

E que meu último adeus

Um suspiro de alívio

Te acaricie a alma.

Deixa eu te trazer tua calma.


Sim, sabemos das coisas deste mundo 

Vitrines e garras

Liberdade onde há amarras

Notas, apontamento e rodapés 

Mas que seja 

Isto é sobre nós, não eles.

Eles que...

Você, eu, tua cabeça deitada no chão 

Meu olhar incrédulo, em oração.

Deixa eu segurar tua mão.


E da ruína até os confins da insanidade 

Que é viver uma vida repleta

De perguntas sem respostas 

Quando um dia a questão brotar

Como brota tua semente em meu peito

Sim, minha amiga, sim.

Sem dúvida.

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