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O Cortejo de uma Terra que Resiste

Mira a terra sob teus pés 
Esta terra que respira com pesar
Coberta de raízes represadas 
Raízes tão fundas
Tão cravadas neste seio 
Que ora raízes
Ora correntes do coração.

Estes teus pés tão gentis
Pisam com a felina sutileza 
Olham matando antes do ato 
E matam, não pra devastar
Pra espalhar tuas sementes 
De renovação, amor, tato.

E nasce uma flor
Outra flor 
Muitas flores
São todas as mesmas flores
Todas da mesma mão
Da mesma jardineira. 
Um amor que é um respiro de alívio 
Mas que se abre em fenda sobre o chão.

Esta, sob teus pés tão relicários 
Porcelaninha, cristal, seda divina
Preâmbulo intrépida ferina
Contorno teus sacrácios montes 
A gente que neste solo sobe e cai
E que neste solo a gente invocai

O caminho não é jornada
E a jornada não é partida
É cortejo quase que em vida
Mas diante destes pés 
Quase tão virgens de saída 
Respira-se um quase sem revés.
É o cortejo de uma terra em redenção.

Porém benção não é benção 
Se presa em eternidade 
Que dirá da desgraça 
Se é eterna a potestade?
Está, pois além 
Nem mal, nem bem
Apenas terra
A úmida habitação 
Meu destino, minha verdade 
Pela posse, pela ambição 
Homens e mulheres sangraram
Querendo tua túnica, desolação

Floresce 
Sem as lágrimas do divino.
Resseca, com o passar do tempo
E nasce de ti
Outra flor, outra unidade
Outro amor, outra verdade.

Nada surge nesta aridez
Nada surge de verdade 
Nada vem sem sordidez
Nada nasce da vontade.

Morre um pouco todo dia
Nasce um pouco todo dia
E em seca, saúde ou alegria
Vive, escura, só, sem fôlego
Ainda que a seca semente 
Nasça de sem querer
Erga, novamente.

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