Nunca te abriram uma porta
Só te trouxeram este tumor
Quando pensava que colher flores
Era um gesto válido de amor.
Mas olha só pro que colheu
Olha bem pro que tem em tuas mãos
O que tolheu a vida inteira, já morreu
E o solo onde pisa não é ramo, é chão
Trouxeram-te um drink
Está aí em cima
Trouxeram-te até
A tentativa tola de um verso fazer rima.
Sim, te elogiaram os sapatos
Ou até mesmo uma certa eloquência
Mas é só, nada mais
Só tem o chão que pisa com frequência.
E agora que nada tem a entregar
Senão a menção daquilo que te ilude
Aquilo que o desejo leva na lombar
Quando a cabeça deita e o descanso alude
Agora, dizem, pare com as palavras
Abandona toda tua vontade
Desta rua segura que te lavra
Larga para trás esta cidade.
Este largo, que o perdido olhar
Ante a tempestade sustenta e esfria
Esta ilha que deixa a barca atracar
Que traz no pensamento a fantasia.
Ainda que orne a casa de ramagem
E ainda que nutra na dor algum riso
O que tem fora é luz que queima e que arde
O que tem em volta não é solo, é piso.
Larga, ordenam, a vontade de potência
E abraça o que é de fato o coração
Que vive por cansaço e por carência
Entre o passo falso e a atenção.
Deve existir fora da trilha
Depois da curva
Além do Rio
Na clareira da floresta densa
Ou quem sabe, na caverna funda
Onde o som não chega
Onde o mundo que se repete
E se metamorfa
Um lugar onde a nudez não faça vergonha.
E quem sabe
Não valha a pena.
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