É a última vez (e não prometo) que pretendo escrever sobre este assunto.
Como sociedade, avançamos a passos largos para o total declínio, ou já estamos nele e não percebemos. É isso mesmo, digo de forma pretensiosa e evocativa de um provável apocalipse social. Já nem temos moral, essa coisa transitória. Eu me pergunto se há espaço para a moralidade em um contexto em que temos tanta gente falando ao mesmo tempo sobre todas as coisas. O que temos, e isso não é novidade, é a guerra moral, em que a própria moral tem sido usada como munição, está sendo gasta e reciclada ao total esvaziamento.
E nesse mesmo contexto moral em que se briga para determinar qual é a conduta vigente, esprememos a necessidade do bem estar diante de uma demanda de produção em larga escala para atender os anseios dessa mesma moralidade que está em decadência. Não há como não esperar um resultado catastrófico.
E então, diante deste desfile da desesperança, decidiram trazer um antidoto para emendar, que é a campanha do Setembro Amarelo. O que é senão a mera industrialização e espetacularização da dor? Um mês inteiro dedicado ao teatro da empatia. O sofrimento se converte em estética e a tragédia em engajamento. Vídeos de ti tok e Instagram onde pessoas filma a si mesmas em um reality show do sofrimento colocam em dúvida qual é o verdadeiro objetivo desta campanha. É constrangedor quando alguém filma a si mesmo chorando, nessa tentativa artificial de fazer da própria humanidade um espetáculo.
E é nessa lavoura tóxica de virtudes performáticas que o estado de bem-estar se espreme entre metas, prazos, medidas. A felicidade virou KPI. Já nos alertaram sobre isso décadas atrás, e prosseguiram ignorando pelo bem de prazeres imediatos. Não me entenda mal, eu não estou moralizando o prazer, pelo contrário. Nossa vida é essa eterna batalha do prazer e do desejo quando não temos uma certeza do que realmente nos move. O problema que aponto é o adoecimento pelo excesso. Esmagam tanto essa teatralidade até que o nosso ente não passe de uma moeda de troca personalista.
Sendo bem sincero e honesto, eu detesto essa canalhice. Nosso modo de vida nos coloca diante da mesa o veneno e a cura, e nos educam desde cedo "coma primeiro com a mão esquerda e depois com a direita". O antídoto, realmente, é fachada vendida embalagem de conscientização e hashtag. Frases prontas, likes distribuídos como bençãos, consciências lavadas, egos hidratados. Quando chega o mês de outro, a dor volta pro estoque a empatia tira férias.
A campanha vira uma corrida de preferência e disputa, para determinar quem tem a dor mais relevante. Fitas amarelas trêmula enquanto há a exploração à total exaustão do indivíduo. Frases de apoio são postadas no mesmo feed onde se exibe o luxo comprado com a miséria de quem finge se importar. Essa coreografia, precisa entre o desespero e o algoritmo, é o esvaziamento total da ideia da verdadeira empatia. Não há empata real sem ação concreta, por isso mesmo que Setembro Amarelo não passa de uma farsa.
Talvez até mesmo este texto faça parte do mesmo espetáculo, mas com a diferença que não se propõe salvar a ninguém.
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