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Poema para Doentes

Passeio, sempre, como um que comeu e bebeu poeira Calçada, mas a cabeça lá no céu No alto inalcançável Que erro grotesco e desumano! Os mastros estão todos vazios E as pessoas não fazem mais perguntas Estes são ventos novos, ventos frescos Se um pano vermelho ou verde tenta se erguer Derruba-se sob palavras violentas de doce libertação! Sonhar é um organismo defeituoso Numa era em que sonhos são possíveis Tanto quanto os abraços.

O Tumbeiro Fantasma

No século da glória de Pingala Percebe-se uma verdade atroz No sentindo e fazendo involuntário Ouça, constante como um sino de chegada Os sons de correntes se arrastando pelo chão E o tilinte dos grilhões atados em vossas mãos Um magote, falsamente ordenado E repleto de superstição O seu discurso ato é falho E sua voz que tanto clamas não é sua Mas veja tuas mãos, e esta fala Em constante oposição Há grilhões? Não! Há palavras postas em teu cérebro? Não sabe, não vês. A dúvida é o suporte da loucura Portanto duvidosa Portanto, verdade, distante, impossível. Um sol se põe, eu vejo O saber necessário, não sabemos. A luz me alcança Mas entre nós Um abismo de suposições e medos. Salta Grilhões se partem Morro?
Desperdício é a juventude que não sabe o poder que tem E tem como inimigos a própria incoerência da liberdade A própria falta de disposição de si E os excessos contra aquém Para provar a si mesmo Algo.

Flora

Uma luz límpida atravessou a janela Tocou-lhe o rosto com delicadeza Uma garoa que acaricia o jardim tão duramente cultivado O dia não te amanheceu hoje porém Como muitos não irão. Olha lá fora, esses olhos que acabaram de acordar E veja por si só, como haverá de ser Sem escolha, sem pedido: Túmulos e mais túmulos De histórias que não conhecemos, mas que valeriam um verso! Observe quantas rosas ali dormem Tranquilas e conformadas Como um mar solitário depois da tempestade. O cenho franze de tristeza, a vida ensina Mais ou mais do que a luz Que atravessa-lhe a janela E é quando tiramos o véu negro Aceitamos E saberemos quando olharmos para trás Nossa rosa também estará ali Um soluço preso na garganta não nos abandona Toda luz límpida cruza a janela que se deixa aberta O dia amanhecerá, porém.

Alberico

Como é cruel peneira da vida, A arte. Do que teu coração vivo e sensível Faz verdade Se todo aquele que lê, vê ou ouve O sino não toca Já não faz parte. Fica como as grandes cidades: Com lugares tantos pra visitar Mas quando um novo chega, a gente diz: Por que nunca antes estive neste lugar? É um ar novo, repouso pouco sedutor Amanhã vira limbo Ou reflexo de consciência. E quando o que lê, vê ou ouve Em teus lábios se repete Não sabe a quem atribui Não sabe se não te pertence Aquilo que não te compete. É um espaço vazio Como um cômodo de poucos móveis E muito som Xícara na mesa E o pouco que se pensa Tudo é saudade. A velhice não adiante Longe da eternidade.

De passagem

Este mundo soa quase como se não me pertencesse. Ouvidos atentos: Se esse cesse Cesse Não sou deste mundo - não queremos Não existe chão debaixo dos pés, sinto. Flutuo. A história me cospe Fato atrás de fato Sem pronunciar-me o nome Ou pedir por favor. O que me deve, ela? Mas o que devo? Não deveria Sem ponto ou vírgula, ou necessidade Segue-o, sem visão O que vale mais que a forma senão o som. Senão Vale-o O som emite só, e só não é meu. Vele-o Como se os homens não existissem uns para os outros. E não existem. Exista Insista.

No fim das contas Andy Warhol

Existe uma cama tão fria E uma casa tão silenciosa Que quase crê que não existe Ou que é Deus. E ali está A menos que estará Se houver muita crença E muita retribuição. A TV está ligada Converso com ela - Olá TV "-Bom dia" me responde. O coração se alegra A fé se aquece Existo Por mais que pense. Quase acreditei que existia.

Disposição

Tive um sonho do mais surreal possível Em que um amigo me tocava no ombro Sorria carinhoso e me dizia: Todo mundo neste mundo tem a sua sombra debaixo da árvore. Acordei em paz com a casa em seu silêncio comum. Com as coisas exatamente onde tinha deixado na noite anterior.

Um dia de maio

Derrubaram a bastilha! Mas que diabos é a bastilha? Só sei desse suor no seu corpo belo! Tudo que é consciência perdura Só que nada pra sempre dura. Como se fosse uma semente Que cai numa terra indisponível e vai nascendo um brotinho. Um dia a gente agoa. Outro dia a gente põe terra E aí a gente colhe E tudo fica assim, lagoa. Que nem quando éramos crianças As casas e as árvores girando De mãos dadas com os melhores Dos nossos melhores amigos Elefantes voadores, elefantes voadores! Era só algodão doce.