Pular para o conteúdo principal

Ego et Circenses

Surge nessa imensidão de cordialidade mansa
Uma necessidade vinda do estômago
Arde-se em chamas, inquieta
Seja lá uma necessidade de rouquidão romântica
Mas por tudo o que há de mais sagrado
Xinga-me à minha mãe
Xinga-me à minha geração
Soca-me os punhos nos dentes até não sobrar mais dobra de língua
Do que lançar-me este pobre olhar cinza
Esta pena por cordialidade
Não deve existir de todas a maior das maldades
De que enganar por incertas bondades.

Consola-te aqui, no meu sofrimento
Nesta minha angústia solitária
Venha e deite-se sobre a minha miséria
Como nunca soube deitar-se com a sua própria
Trairá a minha desgraça consecutiva
Quando dela sentir-se seduzida

Há quem goste da verdade, mas nunca a serão!
Nunca a serão!
Aproximar-se nunca é o bastante para tê-la em si
Sê-la em si
Moldá-la ao que seja como espera desta concepção
Nunca será, nunca a serão.

Pois quem vier primeiro já esteve aqui, no chão
A verdade deita-se e desfaz-se
E corrói, e constrói, e destrói-se como quer
E mil homens passarão
Mil mulheres deixarão de ser
E dela seremos a tua vontade
Seja-me a minha esposa ou marido
Mas nunca dela teremos um beijo ou um afago ou um sexo inesquecível
Seremos dela seus escravos tortos, condescendentes
Por ela mentiremos e jogaremos o pão no chão
E cagaremos por todos os lugares
E comeremos depois
E carregaremos o pesar de um ou dois.
E nunca admitiremos não ser ou ser ou não.

Deita aqui, faz-se confortável para dizer
Palavras mudam ações.
Oh verdade, sua traiçoeira!
Estarás sempre oculta em nossas maiores cegueiras!

Postagens mais visitadas deste blog

Bucolismo

Com tua carroça cheia dos restos da cidade O catador para diante da margem do rio É um rio largo, escuro, mal cheiroso Ele observa o reflexo nas águas, suspira e vai embora: - Esse rio é tipo um abismo. Todo dia passa ali, com tua carroça colorida de catador. A engenharia é uma piada tecnicista Tem uma TV quebrada Num celular, uma antena de carro, só por ironia Um CD de um grupo de Axé que já acabou - o resto de uma alegria do passado - Uma boneca vestida com roupa de mecânico Restos de móveis Restos de roupas Restos de memórias fragmentadas. Ele mira o reflexo nas águas, suspira, e vai embora: - Esse rio aí, é um imenso abismo. Todo dia é a mesma coisa. Do outro lado da margem do mitológico rio:  A vista bucólica de um jardim bem cuidado Casas em seu devido lugar Pessoas em seus devidos lugares É tudo como se fosse um sonho. Ele olha as águas, se vê no fundo distorcido, suspira, pega sua carroça e vai embora - Um dia atravesso o rio. O rio é quase sem fundo e quase sem vida.

O Lago

Caminha entre alamedas tortuosas E a abóbada de bosques sigilosos Adentro a mata o encanto avistai Repousa obliterado o grande lago. E largo encontra em límpido repouso Defronta diante em margem distorcido Silêncio com remanso se emaranha Enigma malcontente insuflado. Atira-lhe uma pedra e de onde em onda Emergirá um monstro adormecido Até que venha o próximo remanso Até que a fenda em sangue desvaneça.

A Praça

Chegando na praça central Ouço os ecos e os rumores De uma vida que parece outra Os risos de andarilhos sem caminho Os caminhos de passos tortuosos O desgaste do que antes fora arte As estátuas sem nome Os nomes nas placas sem história Folhas caídas pelo chão  Os recortes no ar, de galhos retorcidos Ominoso, lugubre e risonho Será que um dia voltarão a florescer? A cada suspiro uma mão distante me acena Miragem ou ilusão, um consolo de memória. Por que tão vazia? Por que tão pouco visitada? Por que assim, remota, esquecida? Cercada de casas sem família Cercada de muretas sem ter o que proteger Nesta praça de ruas que não vão e nem chegam Somente o velho reina Meu filho, diz o vento, é assim mesmo. Quantas vezes soube tu, alguém que guardasse teu nome? A praça tem som de tranquilidade e cheiro de saudade.