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Coração Sem Fé

E assim diria o romântico desacreditado: Compartilho com vocês, desgraçados de vida, essas parcas palavras sentimentais cheias de feridas. Palavras de um espírito já frouxo e cansado. Pensar demais desgasta a alma e destrói as esperanças. Vivamos o que há de melhor, dizem-me. Mas olhemos à nossa volta com sinceridade, ao menos uma vez. Apenas olhem, não precisam me dizer nada, não precisam me dar sua opinião e nem assumir publicamente. Assumam para si mesmos, vergonhosamente, ou com o típico desdém das juventudes: o que há de bom para se viver? Onde há alegria e oportunidade, eu vejo apenas covardia e medo. Eu vejo um superficialismo barato e vendido. Uma hostilidade ao que é verdadeiramente humano, unicamente por sermos egoístas demais para assumirmos os nossos erros e tentarmos outra vez. Não digo tentar de novo subir a escada invisível da montanha financeira. Não, não vou me calar, e nem vou mudar o meu discurso. O que mais é revoltante é saber que muitos daqui acreditarão que é verdade, ficarão colerizados, ou com certa repulsa por este texto. E depois vem o ponto de vista, a tentativa de me fazer acreditar em outras coisas. Palavras são só palavras, e o mundo está cheio delas. O discurso dói os ouvidos, até incomoda e me dá preguiça de viver. Onde está o 'sim' quando deveria ser 'sim' e o 'não' quando deveria ser 'não'? Vou aproveitar os meus 30 segundos de vida restantes. Eu não vou me calar. Minha voz pode ser o carro condutor da voz daqueles que pensam como eu, que são loucos e infâmes como eu. Daqueles que se sentem incomodados por não incomodar. E vou incomodar. Minha vida é incomodar, causar em vocês o desapego de mim mesmo, o cansaço pelo pedantismo dos pensamentos nunca reciclados. Sempre a mesma coisa, não? Mas acreditem malditos, eu não sou o único aqui a ser sempre o mesmo. Disseram-me: não dê pérolas aos porcos. Embora eu saiba que também sou um porco desgraçado. Regojizem-se com o nada e comemorem o futuro que nunca chega. Agarrem-se na imaginação pré-determinada dos nossos grandes mercados, e morramos com a felicidade de ter tentado alcançar uma ilusão mesquinha.

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