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A Porta Branca do Paraíso

Duendes em volta do meu leito O cheiro, que cheiro! Perfumes que me deixam nostálgica Cores do cavaleiro. Ai! Que cavaleiro Veio aqui, nessa noite mágica. Estrelas mortas caem do céu como lágrimas E cada uma que despenca se explode, se destrói Pelo desejo tão pedido que não foi realizado E em lugar da esperança, um corrói E um negro espaço cósmico de mim apoderado O cheiro de água me lembra a tarde O calor úmido gostoso e abraçado As flores grisalhas de um tempo que não foi meu O riso que não foi meu Do rosto que não foi meu Da alma que não foi minha E nem foi a estátua afrodítica no aguardo de uma alma pobre. Pobre alma, feita de carne podre Carne fétida enlamaçada Escorando pela parede deixando manchas estrábicas. O piso branco ensangüentado em cada passo pisado Feridas profundas entre os dedos pesados Arrasto e escorrego nesse chão duro da mortualha E com a língua lavo o solo amargo avermelhado Não é da carne enlamaçada que o sangue escorre Esse é o san

O Impossível Desejo

Veio vindo pela calçada o velho Idoso já da idade cansadíssima Viveu vinte e sete anos vegetando. E repentinamente vinha Cruel e veloz Violenta A motocicleta da morte, que lhe tirou a vida. O secretário Divino ao ver o registro de óbito disse: - Isso está errado, o senhor morreu em outro lado. Veio vindo pela calçada o velho Mesmo Já idoso da idade extrapolada Vinte e sete anos de uma vida degradada Chegou em outro canto e deu mais uns passos Viveu mais uns dias E morreu de infecção urinária no hospital quase sem placa. Acordou um dia desses o velho, respirando livre o ar da vida Satisfeito das ressurreições mágicas da medicina E morreu do coração amando uma menina. Recorreu à sua culpa, numa ultima tentativa O secretário já cansado, deu-lhe uma alternativa Mesmo assim a vida insistia em se deixar vencer E caiu mais outra vez sem ao menos perceber. Fecharam sua porta agora em definitivo Enterrado ao lado dos seus conterrâneos Na lápide haviam escrito: "Mesmo morto, em nossas memór

Pequeno Mito Grego

A dúvida era certa, mas o prazer de se estar vivo era inexplicável. Aquela criança tinha um Hércules no sorriso. Sabem do que falo, daqueles sorrisos que até fazem eco nos corredores da escola. O sorriso que corre junto, na hora que bate o sinal do intervalo da escola. Era um pequeno Hércules, já com os dons da retórica apenas no caminhar. O seu andar era um discurso político. Debate político. No dia seguinte todo mundo comenta, rindo gostosamente no aperto do ônibus (aquela bendita maldita linha para o Terminal Bandeira, como prato de pedreiro transbordando, assim pelas bordas). Era tal o poder do sorriso do menino. Chovia sim, chovia muito. Mas na hora em que abriu os olhos e refletiu neles o céu, o próprio céu, grandioso se compadeceu. Abriu-se todo, mostrou sua claridade morna. Aquele cheio gostoso do verão, cheiro de mato e terra molhada. E vem aquele morno acumulado pelo excesso de lixo nas ruas, a rua tão quentinha e quase lavada que dá até vontade de deitar. Vem corren

A Boneca de Pano

Tem olhos de plástico Costura em linho Mas pele em vime De olhar estático. E solta bolinha Por baixo da saia De falso cetim de Vermelha Fitinha Vigia de cima Da jacarandá Em cubo esculpida A jovem menina Que chora tão triste Olhando pra estante Aquela boneca Que nunca desiste.

Reflexão Pública

Enquanto passeava no calçadão da 13 de maio A Multidão chovia na minha cabeça Quinhentos homens e quinhentas mulheres Caíam diante de mim. Caíam arredor dos clamores Caíam um por um, em rufos militares. Estendi as mãos vagas, em flores Não apanhei nenhuma e nenhum Recolhi os braços mudos em dores De todos que tombaram, sou mais um.

Snap

Olhou a tela medindo-a com o pincel. Com o olho esquerdo fechado, respirou. Analisou. E sentiu o pulsar das cores. Nas retinas do imaginário. - O que pensa você dessa arte? - Estou aprendendo a gostar. Olhou o relógio o coração disparou vestiu o casaco apanhou a pasta             [apanhou a torrada apanhou o café             [apanhou a chave abriu a porta saiu             [levando tudo nos calcanhares Tirou a fotografia da Avenida Principal         Fotografia Digital Olhou fascinado a vivacidade das cores apressadas E a estaticidade do movimento da imagem Mas desta vez não sentiu nada nas retinas - O que pensa você dessa arte? - Estou aprendendo a gostar... Quase parando de andar.

O Pecado

Da névoa ao acre Do acre à gastrite Da gastrite à serenidade Da serenidade à lucidez Náuseas enxaquecas E uma perna enroscada no lençol Não me lembro se quando adormeci Era rude como um pavão Ou delicada como um leão. Mas enquanto a luz Apaga e causa a tempestade Acende e arromba a puberdade Lembro que era vermelha, Da cor da minha paixão.

Letícia Setubal Damasceno

Ah, se minhas letras tivessem cor! A cor dos meus desejos, das impulsões. Tivessem a cor dos dedos, e apontassem a direção dos meus segredos. E te mostrassem a direção dos meus braços, das minhas pernas. Das minhas pernas paradas nas esquinas. Que me levam para duas direções  - vou para onde primeiro me puxarem - E se elas tivessem voz... A voz de gritar Alto Máscula Áspera Rouca A máxima expressão de minhas paixões A dor máxima do frio das esquinas Dos meninos das meninas O máximo frio dos velhos lençóis e colchões Se elas tivessem o cheiro azul das camas dos hospitais O gosto cinza das guias das avenidas Os sons amarelos das alamedas aformigadas O toque branco, fosco, da luz espelhada no chão noturno. E se ainda, e por último, por enquanto Tivessem calor! O abraço brando eriçando os pelos! Ai, os pêlos! Hum, os pêlos! E a maciez das madeixas me cobrindo o corpo Tapando-me o sofrimento Preenchendo-me o vazio Por fora e por dentro Ao menos neste momento.

Porta Fechada

Depois de um ou duas dobrada em trouxa Soltando labaredas pela boca frouxa Vomitando a leviandade entre as marcas coxas Na fornalha de cetim, paredes velhas, cortinas roxas. Encontrará aqui minha porta fechada Fechada às cegas na embriaguez. Em distração mera apaixonada Deixando fora mais uma vez. E segurando tua mão direita Como mordida lacraia à espreita Envenenada morta enquanto deita Desgraça vil, tristeza feita. Vejo-te preso do lado de fora Empurrado grosso na minha cólera Lutando contra minha resignação Gritando: Não! Não vá embora!

Na Janela

Vejo daqui de cima Daqui de cima vejo, Vejo meu amor passar. Apoiada no queixo No queixo apoiada Vejo meu amor passar. Carregada entre suspiros Suspiros entre carregadas Vejo meu amor passar. Fecho a janela Nela já fecho E vejo meu amor passar. Vejo meu amor passar Passar o meu amor vejo Vejo minha vida passar, Vejo minha vida pesar.