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Flor Bela Flor Pura

Lavo a flor límpida, sagrada e pura Com as lágrimas mais obscuras Dos erros que cometi. Mesmo sem crer que a luz eterna Dê força aos meus braços sôfregos E ânimo à vida torpe, Não posso deixar, E não deixarei, Que caia a flor sobre o jardim que cultivei. Tão cheia de rancor e nada sinto. Tão sóbria de desgraça e nada vejo. Só a flor que me anima o meu desejo De ser o que não sei que eu serei. Lavo a flor bela, bela e pura Com lágrima única que perdura Dos erros que esperam pela cura.

Escorpião

Aceitando a cura dos venenos Navegando na falsa alegria Instante de amor e de loucura Tardia e confusa melodia Sádico sabor de gostosura Instigado torpor de aventuras Regado de renegados desejos Caio porventura no leito estúpido ----------------------------------------------------------------------------------------- Aceito a cura dos venenos Navego em farsa alegria Instante de amor e de loucura Tardia e confusa melodia Sádico sabor de gostosura Instigado torpor de aventuras Renegado desejo augúrio Caio porventura em leito espúrio (edit. 2021)

Varal

Uma roupa no varal pode lembrar muita coisa. Mas vai depender da roupa, e mais ainda, vai depender do varal. É claro que não falei ainda da lavadeira. Ah, que cheiro fresco de sabão de coco e roupa estendida. Então esse é um varal de casa de campo. Longe de tudo o que conhecemos, mas perto de tudo o que quase ninguém conhece. Assim, um lençol, balançando como se balançam as flores, está ali imponente e bem lavado. Gota a gota seca, devolve à terra o que dela foi tomada, a água. Balança e emite com a sua dança mágica as imagens de ontem, de anteontem, do século passado, quando ainda era semente.  Ah, lavadeira esperta. Lava a roupa rindo, mas não porque está feliz com seu ofício. Lava o lençol porque precisa, pra usar de novo. Com as mãos enrugadas e gastas na beira do tanque, sonha ainda com a próxima lavada, e a próxima. O vestido leve lhe contorna o corpo robusto, as pernas grossas, com manchinhas tímidas aqui e ali. Manchas para ela. Mas para ele, é só mais um temperinho.

Nascer do Sol

Ó puro anjo inexistente Leva-me daqui para o sempre No coração do sol nascente! Leva-me pro conforto incoerente Onde ali jaz minha descendência Pois não quero viver na indolência! Leva-me daqui junto com meus anjos De alma negra e estômago vazio Mas deixa no varal o lençol branco Com a mancha do sangue proibido Como nosso aviso de partida.

Madre Pérola (3)

 Caiu a Madre Pérola Como quem cai da árvore da fé Mas caiu simples Brilhante Reluzente. E caiu como quem tem alma de anjo puro Que brilha quente e forte espantando o escuro Rolou, rolou pra longe E um dia é pra lá que eu irei Ou meio sem vontade Ou com triste dor e coragem Mas um dia É pra lá que eu irei.

Madre Pérola (2)

 Tão pura e sólida era a Madre Pérola Que em dia de outono debaixo d'uma árvore Até mim ela rolou com sua castidade. Ó pérola dourada, tu és o meu estigma. Quão forte é a dor que ainda sinto E quanto mais ainda sentirei? A pérola rosada que o túmulo embeleza Deitar ali seria meu único conforto De ter em mim tão próxima tua alma De resumir minha dor em simples calma Angústia é o que jaz vivo no homem morto. Ó Pérola dourada, tu és o meu estigma Minha alma ali está e ainda sinto E enquanto ali estiver não sentirei.

Madre Pérola (1)

 Deitou-se no meu colo um dia O colar da Madre Pérola Doze anos esperei Doze anos aguardei lustroso dia! Deitou-se no meu colo um dia O colar da Madre Pérola E o calor imperou Tanto tempo aguardei caloroso dia! Mas antes que minhas mãos a alcançassem A mão fria despedaçou-a em meus sonhos Mão política ou fanática Mão cristã ou judia Não importa Tal mão depositou em mim imensa dor Rolou, rolou pra longe meu amor E agora o alívio em suspiros eu espero Como espero ansioso por este dia.

Dialogando o Tic-Tac

O Tic e o Tac É o controle da nossa trilha Que vem já de longas milhas Manter o café na mesa O almoço na marmita E a janta no sofá. O Tic e o Tac Agora compreendo Um vem para derrubar paredes E o outro para construir Mas não pelos que derrubaram E sim pelos que muito choraram. O Tic e o Tac É o nosso alimento O ar que respiramos A música que cantamos O livro que não compramos Por faltar água e trigo E energia elétrica. O Tic e o Tac Entendo Vêm de elétrica e artesanal Vêm do bem e vêm do mal Mas só do mal se alimenta E do bem, bem, orienta. O Tic e o Tac É sem mistério É sou ouvir no monastério É sou ouvir no cemitério É sou ouvir no ministério. Agora vou sair Meu relógio está quebrado E sem ele eu perco a vida E sem ele não tenho norte Não tenho dia nem noite Nem de nascido nem de morte O Tic e o Tac eu preciso Tanto quando o paraplégico Necessita se sentar.