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Ortotanásia

Foi quando veio a academia Que anunciaram a morte da poesia. Juntaram uma pilha de institutos Calcaram-na de pó para produto. Podia eu falar da beleza da noite Ou da tristeza dos dias Mas com mote teimo em dizer Da infeliz morte da poesia. O homem inventou a roda O Fogo As cidades As ventanias  As tempestades O riso e o pranto mudos Inventou o homem surdo E as notícias turronas. E enfim por não ter mais que inventar Inventou a si mesmo. Tudo isso está escrito Na tábua sábia da academia. Mas antes disso tudo Antes da primeira aurora E depois do último crespúsculo Já ela vivia livre A nobre poesia. Encarcerada pois ela está Sob o peso de muitos ministros Com quantos outros mil doutores Vive ela vã em suas dores, Vomitando feito registros. E o mestre sábio da pena teimosa Vive com ela tão cheio de glosa Mas mais que a dor tão pretensiosa Vive ela, pobre poesia, toda chorosa. Já não a sente quem não a vê Empilhad

A Praia

Dona Josefa na cadeira da praia Busca o vazio no imenso horizonte Onde a linha jamais se acha, se esconde. Qual praia? Não existe praia A praia é só um refúgio. Dona Josefa na praia que ninguém entende. Os mistérios do imenso horizonte Não são menos do que está na mente Do que ao invés de teto vê praia, E paira.

Jardineiro Infiel

E ali está. Pende para um lado com o vento que bate, Murcha, quase morta, seca como a terra, Áspera como a mão idosa do sábio, Que não sabe de nada. Ali está Na espera Na demora Na lentidão das horas (Que nunca passam). Um jardineiro infiel Plantou a semente com tanta precisão Cavou fundo fundo, com cuidados expressos E fugiu para não viver mais sua solidão, Partiu em dois sua visão. Ali está, Pende para um lado e para o outro Largada com desprezo insólito Para o vento que bate e nunca cessa. A flor tratada com pressa. Que não sabe se morre Que não sabe se espera. E enquanto espera, escorre...

kamal ka phool

 De tanto quanto quero nesta vida Eu busco pouca coisa em pouco escopo Família, nada, amor nenhum, amizade pouco Na confusa vida, evito solenidades Eu não busco beleza, busco verdades.

Vida Completa

Na rua direita do meu bairro humilde Nasceu um pequeno bebê O choro do nascimento foi um estrondo Escutado em todos os extremos, Do bairro Sentiu fome e foi amamentado Sentiu frio e foi aquecido Sentiu sono e dormiu. Cerrou os olhos pequenos E nunca mais abriu Simples assim.

Carpe Diem Mon Amis

Quando a mãe cobriu o rosto com as mãos Caiu a primeira lágrima de muitas E abriu no peito um buraco que não fecha mais Você pisou na rua jovem. É sempre assim com os artistas: O opulento tem à disposição mil arco-íris. Mas você faz mais do mundo com apenas preto e branco O seu sorriso preto e branco O meu amor preto e branco Como nos primeiros jornais. E mal mal, você não sabe Que sempre que você pisa na rua, Seus pés geminam e plantam. E vão abrir, querendo ou não, Um buraco que não fecha mais. E deixam ali, querendo ou não, a mensagem: "Aqui estive e agora estou em paz", Até a planta criar folhagem.

Ponto Final

Caiu uma gota, distância, Dor efêmera, raio escuro, Com um passo de constância Atravesso a porta do obscuro. Venço com rugir A dor estranha do peito Como o leão sendo sua presa Caída, em paz, no leito. Com mais um pouco de coragem Enxergo o mistério restrito Alcanço a luz dessa viagem Que a imaginação tem descrito. Céu, inferno ou simples terra Destruo com faca e ferro O que quer que seja é eterna guerra Antes do morro, o berro. E em poucos passos adiante A dor que pulsa no pulso Reduz-se a simples instante Vermelha e negra, eu expulso. A gota alcança o tapete E o branco da paz que se mancha Soa três badaladas e um lembrete: A moça branda, enfim, descansa.

Carta ao Cientista

Coração. O que é isso? Será apenas um pedaço de carne que pulsa simetricamente, sincronizadamente, espalhando sangue para todos os lados? O que é isso? Um amontoado de músculos asquerosos e pegajosos, de aspecto grotesco cheio de uma carne indigesta? É o coração apenas o que jaz em carne? Ah sofrimento! Não vens do meu peito, mas da minha mente perversa e luzidia. E a razão, essa soberba que nunca admite a nada, transfere toda a responsabilidade para o já cansado coração, e é lá que eu sinto a dor, além da dor inevitável de me sustentar pelo resto da vida. Pois todos os males a ti pertencem ó coração. Carregas por toda a vida a responsabilidade cruel da vida, além da vida, e possui força imensa para realizar o seu trabalho incessante, sem reclamar, sem contestar. E razão, esta soberba, de ti diretamente depende. Dizem que é o contrário, pois sem a razão, o coração nada seria. Mas tu, meu pobre e cansado coração, tu és mais nobre, pois vives em constante labuta pobre, e ret

Casa de Vidro

Casa de vidro Casa simplezinha Erguida em pé sobre pedra calcada Unidos cantos em nós de torvelinhos. Casa de vidro Casa simplezinha Tão transparente de aparência fria Porém conforta, acomoda e luzidia. Casa de vidro Casa simplezinha Internas brumas são eternas dunas À porta uma esfinge invencível. Mil janelas do mundo invisível Mil reformas e outras mil fortunas Cautela aí, não toque pois é frágil! Tão fácil fere quanto alguém que seja Tão hábil é o pó do que apedreja. Causa feridas, o seu caco é ágil! Casa de vidro Casa simplezinha Agrada mais o hóspede que o dono Por fora é transparência Por dentro só espelhos O hóspede reflete-se em seu próprio meio. Casa de pó Casa de vidrinho Casa pequena Casa simplezinha. Casa minha.