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Numa Quarta-Feira fria em que Nada Acontece

Imagino um mundo onde não há dor Que não tenha som, nem cara nem cor Esse mundo que se embarca com um laço Um portal que se abre igual ferida Um barulho de explosão em minha cabeça Solidão sem necessidade de abraço Um mundo onde não há corpo Ou ele vira cinza, ou ele vira pasto Um mundo que não é impossível Atravessa em embarcação escura Vence-se o medo do umbral Onde a paz é plena, e dura.

Evocação do Nada

Na Rua Oliveira Não há nada a evocar Mãe! - gritava eu Oi - gritava ela Cadê meu tênis de brincar? Vê debaixo da cama Vê na lavanderia Vê lá no quintal Não estava em nenhum lugar Nunca esteve Nunca houve tênis Ou talvez não sirva lembrar Tudo o que eu mais amava Jamais pode existir Recordação imposta Difusa e enlatada Recordação do nada Cortinas de linho Tapete de algodão Terreno baldio O pau e bola na mão Terreno baldio Como as lembranças Do que se acabou pela metade Correram por aí dizendo Diretas Diretas Diretas De retas e caminhos que jamais passaram por aqui Mas bajulamos o abandono e o esquecimento O seu fulano (todos eles eram) que sorria sem a parte da perna Tudo aqui parecia feito pela metade Seu Cirilo não tem perna Seu Fábio perdeu o braço na máquina O Alemão que batia na mulher A gente só ria Não existe raciocínio na tragédia Aqui nunca chegou mensagem, história, ciência ou explicação Mas todo biênio é eleição Aqui tudo é conclusão No mês de outubro Dona Maria e seus dez ca

Laço Amarelo

Arco do rebento O raio do Astro A trompa do anúncio Do Rei do perdão Encontra a menina De pauper pezinhos Lacinho amarelo Em levitação O Rei que outra vez Verteu água em vinho O vinho é sangue O sangue é um pãozinho Caminha sobre águas Da dor do rebento Verto água meu vinho Salvação sangrenta

Moralismo Cirandeiro

Tenho uma aptidão para a polêmica, confesso. É uma forma de chamar a atenção para mim, eu sinto um deleite silencioso ao ver o circo pegando fogo e as pessoas perdendo o juízo. Pode ser uma defesa, porque, bem, eu não gosto de ninguém, o que é diferente de odiar. É bom deixar isso claro: o ódio é quase como o amor, porque o ódio tem uma parcela de você se importar com o que os outros pensam. Não é o meu caso, eu não odeio ninguém (aliás, estou repassando mentalmente se eu li já escrevi isso em algum lugar aqui, e se por acaso escrevi, mudei de opinião, não é ódio, é só um desgosto mesmo). Eu não gosto de ninguém porque bem, tudo me entedia com muita rapidez, e por isso às vezes eu preciso adereçar provocações ao que muita gente acredita ser importante pra sobrevivência delas. Certa vez estávamos em uma conversa com universitários, o Matheus e eu. O assunto era um rapaz de cabelos longos e coloridos, e ele falando de suas experiências no Japão, e eu juro que ainda não conheci uma única

Confissão de uma derrota

Vendam minha desgraça Que fique o vencedor com as migalhas O restante de uma memória Em que até o desastre perdeu cor Perdi há muito sede e a fome, Perdi faz tempo a distinção Entre a miragem e o oásis. Aos que crêem me perdoem Foi tudo fingimento e tentativa Quis vencer as horas mortas E quão mortas foram as horas! E quantas foram elas, as horas! Mas e se houvesse um pouco mais Um minuto a mais de aguardo Uma nesga de vontade Por um fenômeno milagroso? Só mais un dia, uma chance. Brincam de felicidade, os deuses O alívio é a aposta mais alta Todos perdemos com as cartas na mão.

Metanoia

Que há neste recinto de solidão? O passar das horas percebido  Movimento das folhas no chão Ou a vista decadente  Resiste à espera, cidadão. Há tempos que não sei o que é ser E eis-me aqui, sendo. Ou quem sente o quente e frio Cadilho de nervosas reações Dos cheiros que ardem-me o pulmão Vivo a questão do quanto vivo. O que é então? Este silêncio ululante, Ao pé do ouvido? Seria esta a resposta então? Viver é constante negação! Não, não Não há como ter plena solução É tangente a ponto de interrogação. Como posso, nesse confim de esquecimento Querer dar a solução do que há muitos Buscam com o mesmo ardor? Mas tenho eu o mesmo ardor? Não tenho o mesmo ardor Quanto a mim pergunto qual mal me levará: O infarto Dos que vivem com paixão O câncer A quem a vida parasita Ou o tédio Contrição do nascimento?

Eu Nunca Estive Aqui de Verdade

O trilho do trem e o tilintar Arrepia-me tal completamente Com seu ácido canto sedutor Atiro-me às presas da serpente O trilho do trem e o seu trajeto A múltipla curva repentina Seu sussurro ensurdecedor Condiz-me a silente divina O trilho do trem e seu caminho Infinitamente serpenteia Magnético meus olhos atrai Mergulho no canto da sereia O trilho do trem e a parada O coração oco, lar de todo o mal Mil mundos que no peito anseia Chegar-me, eu rogo, à estação final.

Si Sustenido

E foi assim que essa nota escapou Errada pois, diria o maestro Mas ficou lá, pendente no ar O público aplaudiu, levantou-se e saiu A banda juntou o equipamento E a nota, mesmo só, não partiu. Pendeu adiante, e ficou presa naquele instante Havia ao fundo um resto de whisky barato Fedendo ao fumo dos cigarros da esquina Sentindo o restante das pernas da menina E perguntando-se Ainda que seja Si sustenido É, talvez, tarde demais? O bar inteirou desmoronou sobre a canção Mas a nota deu seu último suspiro Um Si sustenido morrendo No chão.

Enveneno

Eu sou o veneno do poço Faça força palatal C cedilha cetim Letra trocada Pulsando para o fim O repouso frio  num banheiro de cristal Árvore que enquadra os restantes Apodrece em raíz E devolve em cinzas Queima em chama Lençol branco Encobrindo toda a cama. De joelhos matriarca pronta Perdão nossa senhora Perdão por essa dor Tudo o que toca Vapor A canção acre Amargamente cega Sombra em luz do dia Toca o ouro Vira pedra. A água que bebe do poço Cicuta enfim alquimia Minha quase existência Minha.

O Animal que cura as dores

Era uma vez um animal gigante voador, cujas asas eram tão belas e resplandecentes, maravilhosa e mágicas, que apenas um abraço curaria todas as dores e tristezas. Certa vez o animal foi chamado para um reino a fim de curar as mágoas de toda a nação. Mas o rei, ganancioso pelo poder do maravilhoso animal, ordenou que ele fosse capturado para ser estudado, e quem sabe, aprender o seu poder.  Quando o animal chegou no reino, ao invés de ser recebido com alegria e presentes, como era de costume, ele foi recebido por lanças e flechas. Um menino órfão que estava ansioso esperando pelo animal, e era encantado pelo animal, se jogou na frente das flechas e lanças, mas por ser muito pequeno, não conseguiu salvá-lo. O menino chorou a noite inteira, a ponto de manter todos da cidade acordados. Após horas chorando, o menino se cansou e finalmente conseguiu dormir. Naquela noite ele teve um sonho com o animal, e implorou para que voltasse à vida para que pudessem brincar, para que o animal pudesse c