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Eurípedes

A moça de 26 anos busca a noite para ser de novo menina. O motorista de ônibus anseia pela última viagem. Salta o coração da faxineira sua canção favorita no rádio. O homem de negócios espera uma ligação importante. O professor olha, esperançoso, a letra cursiva do garoto. A enfermeira limpa com zelo, o corpo do paciente, prestes a se recuperar. A garçonete pode receber uma gorjeta. Todos , de alguma forma, porém, se encontram no caos do cruzamento central da cidade. Enquanto a felicidade não vem.

A Praça

Chegando na praça central Ouço os ecos e os rumores De uma vida que parece outra Os risos de andarilhos sem caminho Os caminhos de passos tortuosos O desgaste do que antes fora arte As estátuas sem nome Os nomes nas placas sem história Folhas caídas pelo chão  Os recortes no ar, de galhos retorcidos Ominoso, lugubre e risonho Será que um dia voltarão a florescer? A cada suspiro uma mão distante me acena Miragem ou ilusão, um consolo de memória. Por que tão vazia? Por que tão pouco visitada? Por que assim, remota, esquecida? Cercada de casas sem família Cercada de muretas sem ter o que proteger Nesta praça de ruas que não vão e nem chegam Somente o velho reina Meu filho, diz o vento, é assim mesmo. Quantas vezes soube tu, alguém que guardasse teu nome? A praça tem som de tranquilidade e cheiro de saudade.

Passado em Cinzas

A vida é um Casino Onde a moeda é o tempo Apostas à mesa A decisão é um jogo de sorte Cada perda custa caro E ele ou ela que foram um reinado Moveram mundos e multidões Diante do último suspiro até onde a vista mira Como sentiram-se estúpidos no anoitecer. Paguem esta conta com cinzas ou sangue Limpem os pés ao sair E guardem os sapatos no baú da memória.

Torre de Marfim

Creia na força da palavra E no ato da nota creia Que para cada verso bordado Firma-se o tecido na veia. Leia o leito caudaloso  Deguste este versar Como quem costura A boca do teimoso. Pois tecidos, não trapos Esgarçam-se na pele Mal os tapam o frio E a pouca das vergonhas Enquanto versos desenrolam Transbordam sangue lá e cá  Dos corpos que caem pelo rio. Do alto de suas torres de quinquilharias finas O som de seu clamor íntimo morre pelo ar Como quem, de apelo surdo  Morre de fome no chão. Obrigado por explicar  À existência da minha miséria A miséria da minha existência.

Dopping

Eu te escrevo esta carta Enquanto em minha mente Tudo cheira a ferro Deitado em leito esplêndido Um homem sem feição  Analisa os ferimentos  Ele não mirou nos olhos Cantarolava um rock Enquanto agonizava em vida  Na descida ao litoral A ventania bagunça os cabelos Mas na memória penteadeira Manchas pretas nas digitais  Nas últimas linhas em tinta E no pensamento tarde demais.

Experiência

Quanto se nega ao coração A verdade de uma morada verde? Pouco serve o maduro fruto  Se o que se morde é sem sabor! O enquadro é farsa, sentido vão A pintura esparsa, vazia visão Quando muito tem-se tempestade O que sobra e sente é sopro Tredo abraço que outrora afaga Nessa falta é tudo o que sobeja.

A quem serve a ciência?

A quem serve a ciência? A quem ela serviu durante todos esses anos? Ela esteve presente na sociedade como uma instituição de conhecimento a serviço das necessidades gerais da população mundial? Ela esteve a serviço do enriquecimento de grandes corporações? O quanto de ciência merecem as pessoas dependendo da sua classe social? O espantoso para mim, em 2020, não foi o motor anticientífico, nem o negacionismo, conduzida pela condução sensacionalista do jornalismo brasileiro, uma prostituição da integridade informativa em troca de views, audiência e publicidade. A população mais pobre, essa massa generalizada e completamente excluída do direito de identidade, de individualidade, uma vez que é definida massa, é essa aglutinação forçada e imposta pelos porta-vozes do saber, esteve sempre aí como objeto de laboratório, e sempre foi excluída do debate científico. A bem da verdade, o cientificismo brasileiro foi tomado pelo corporativismo, pelo autoritarismo e pelo elitismo. Em certo momento p

Maquinista

O maquinista puxa o cordão A locomotiva apita Chegou o trem, o povo sobe A locomotiva sai O maquinista puxa o cordão Saiu o trem, o povo espera A locomotiva apita O maquinista puxa o cordão Checou o trem, o povo desce Mas então como se fosse num sonho A locomotiva não apitou mais O trem não saiu e nem chegou mais O povo não desceu e não sobeu mais O maquinista parou E como se fosse num sonho Olhou para o horizonte e viu o pôr do sol Pela primeira vez soube o que é calor Em lágrimas, bateu forte o coração Sorriu, pediu perdão e se apaixonou. Na estação, adormeceram mil anos de amores O tempo não mais se foi, estacionou. A locomotiva em ferrugem, vagão de flores.

Castelo de Praga

Castelo de Praga Tua bela arquitetura Teus belos portões represando a segurança Tuas belas torres que erguem-se à perder da vista Das mais belas voluptuosas imagens do céu Tuas belas janelas,  que em grande parte  Portam a frágil luz sobrevivente Da vela que há muito se acendeu e morre Pouco em pouco  Derrete-se sobre o parapeito  Jaz a lâmina de um guerreiro absoluto lá E do outro um penhasco aqui. Muito se especula das batalhas no arredor Pelos longos infinitos corredores  Que aos ecos servem de abrigo Ecos de todos os tempos e sorte de emoções Tuas pontes que interligam todos os caminhos E que trazem todos os tipos augúrios Sem muita proteção. Pouco sabem das batalhas de seu interior Os gritos de dor e desespero Os prantos que ergueram os seus muros As valas que escondem morte e sofrimento Os silêncios e murmúrios de corações que sangram As mulheres que aos gemidos confessam o coração As palavras que cortam o vento Os esfregões que lavaram lágrimas e secreções Os choros de nasciment

A Chave 2

Cada qual, ao que se parece Carrega desde que se nasce Uma chave em bolso tece Que em desuso se desvanece As vozes que nos sussurram Mais parecem zumbidos - Vai para lá, vai para cá Vai para lugar algum. Quando se encontra uma fechadura - Entra aqui menino, Aqui é a casa de agrura. Que é agrura? Fica e saberá. Às vezes as vozes erram Nos levam pra qualquer lugar A chave da infância não foi fantasia A porta que se abriu foi armadilha.