Pular para o conteúdo principal

Fluxo Contínuo

 O que para mim sempre foi típico foi o questionamento. Vazio ou consistente, o questionamento sempre tem um sabor incômodo. Nos primeiros poemas isso era um hábito, tanto mais quanto uma necessidade, até o dia em que parei de tentar ser poeta e passei a ser poeta. Até este dia chegar, muitas coisas aconteceram. Dentre as maiores bobagens de imaginar que um poeta precisa de algum tipo de formação acadêmica, até pensar que a poesia era algo sagrado e intocável, acessível apenas às pessoas mais célebres. Enfim, isso é uma outra história.

O poema a seguir tem um tom de crítica adolescente. É uma crítica de quando nós sabemos que algo está errado, mas ainda não sabemos dizer o que é. E a meu ver, o que estava errado era esta coisa de todo mundo querer seguir o mesmo caminho, como se cada vez mais as sociedades estivessem se afunilando numa única maneira de viver a vida, e a rejeição, proibição, exclusão, e porque não dizer, prisão e exclusão daqueles que optam, ou tentam, querer viver uma vida diversa. Até então eu não sabia que não vivia uma vida diferente, mas na minha cabeça narcisista e egocêntrica, esta idéia era bem clara: eu era diferente de todo mundo. Foi terrível perceber o quão errado eu estava. Pouco depois, foi mais horrível ainda perceber que o meu maior erro era pensar que eu estava errado. De lá para cá, como um pêndulo, ainda não sei onde estou, mas não estou em lugar algum. Fruto de uma explosão de pensamentos que eclodiram nos meus dezessete anos, somados à influência violenta da professora de literatura do cursinho, Ívian Lara Destro, que o tempo inteiro me bombardeava a mente com coisas que eu sequer tinha pensando em pensar antes. Bom para mim a princípio, entretanto, ficar preso no mar do questionamento nos leva à solidão, e pouco depois, à loucura.

Vejo as coisas como quem vê tudo de fora, porque não estou incluído em nada. Isso não é uma postura blasé, trata-se apenas de dificuldade de socializar. Em mim, isto é um grave problema.

Para não esvaziar completamente o assunto, tratarei disso em um poema adiante.

Espero que gostem da leitura!


Fluxo Contínuo


Como é belo o fluxo contínuo de uma marcha

Se move com graça,

Em um ordenado eterno.

- Eliminem aquela pedra! Está desviando o fluxo!


Veja como marcha:

-Pelotão marche! Um, dois, um, dois!

-Pelotão descansar! Eu disse descansar! Prendam-no!


E assim prossegue esse pelotão, o fluxo contínuo.

Passam os feixes e as fachadas fechadas.

As caras amassadas pisam nas poças lamacentas...

Devia malhar um pouco, estou ficando para trás.


O indivíduo que dobra a esquina

Que marcha de costas,

Ou que nasceu de costas

Este sim desobedece às leis da física, que não servem para nada

- Eliminem aqueles homens, para a solitária!

Em alto e claro som.


Agora sim! Está completa.

A marcha não para e nem chega

Ninguém sabe pra onde, mas acompanha

Por que é belo?

É belo o fluxo contínuo de uma marcha.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Erospectro

Dança a débil seda da cortina em altivez Acaricia, enquanto sôfregas, balança O alabastro lívido de porcelana tez. Ajoelha ante a luz da superfície pálida Princesa portentosa do teu estreito templo Aporta em silhueta a majestade cálida. Anda, paladino, sobre a laiva curvatura Forrada do plantio de calêndulas laranjas Descansa à boda quente da lacuna escura. Venera esta abadia, pétala a pétala Diante da minha dupla onírica imagem Repousa em cada vale de divina sépala. Despeja-me o orvalho em êxtase, a coroa, Na carne-alvura arqueja em nosso infausto cio, Em véu e labareda, um altar, uma pessoa. E quando finda a música, resta-me a visão: Princesa, diabo, luz, deleite em união, No espelho sorridente à criadora perdição. 

Tua Palavra

Palavras como fios E teus dedos costurando Um caloroso manto Para minha sombria alma. Palavras, que como pão Desta tua fome tão antiga Onde cada sílaba que canta Vira a ceia da minha calma. Palavras, como tuas mãos Que quando escreves meu nome Eu sinto O calor do teu gentil enlaço. Palavras como a brisa A brisa que a mim veio  No alívio das noites infernais Na doçura dos teus braços. E se ousa um dia duvidar Da força daquilo que escreve Lembra: O mundo que é só trevas A vida que era nada Tudo começou, até amor Pela Palavra.

Sacrum Putridaeque

  sacrum putridaeque "Animae exspirant, redire nolentes... Sed redeunt in sudore, dolore et metu, formam suam relinquentes." ✝ Invocatio Sacroputrida: Vox Ultima Ex Reliquiis ✝ Substância em ardência Como que em condenação Ao inferno da tua ausência. De seu cílio cai o lastro Da aurora poma aberta Afligida ao omisso mastro. Minha boca sente a míngua Pela privação do tato Da oração com tua língua. Numa parte sem ritual E eu aqui que só me encontro Do meu gozo sepulcral O meu tédio, meu remanso Invocatio sacroputrida Sem perdão e sem descanso! Ora em mim sem castidade Faz-me diário do teu ímpeto, Sem decência ou piedade! ================================================== Invocatio Sacroputrida: Vox Ultima Ex Reliquiis Substantia in ardore Quasi damnationis Ad infernum absentiae tuae. De cilio eius cadit onus Aurorae pomum apertum Afflictum ad mastum neglectum. Os meum sentit inopia Privatione tactus Orationis cum lingua tua. In parte sine ritu Et ego hic solus invenior Gaudii m...