Pular para o conteúdo principal

Como Se Fosse o Último Adeus

O ano era 2007. O ano de dois mil e sete. O pretenso, extenso, arrastado ano de dois mil e sete. Pareceu para mim aquele ano uma eterna tarde de sol, ou nas minhas próprias definições, um repleto tédio que estava longe de terminar.

A poesia subjetiva está fortemente ligada às dores íntimas de quem escreve, mas entender o que está nas entrelinhas se eleva para uma compreensão de um momento que pode ser comum a todos. É interessante quando eu lanço meu olhar em meu próprio passado, e percebo que muito do que senti naquela época eu já sinto de uma forma diferente hoje, e pensar que evoluí em virtude de certo amadurecimento.

O não saber do que ser, e ao mesmo tempo a vergonha de sentir uma dúvida tão pequena num mundo de problemas tão grandes. Ou o sufocamento que sentia por me envolver em relacionamentos sem futuro, com excesso de cobrança e pouco retorno emocional. Ao mesmo tempo vendo ser esmagada sem piedade a fantasia mais mentirosa que a idade adolescente cultiva: amizade. Melhor dizendo, a "galera". Qual galera? Longe, inexistente, reunida por um ponto tão frágil que o menor sopro de incompreensão cria uma tempestade de incoerências.

Eu lembro até da história deste poema. Estava numa casa da minha mãe, no bairro do Pq. Fernanda, ajudando numa reforma que já estava completando 18 meses e parecia longe de acabar (soube um dia desses que durou dois anos e meio). Enquanto eu descansava no meu intervalo, fiquei refletindo sobre a minha vida, sobre todos os meus problemas de então, e pensei algo do tipo "se eu morresse agora, o que seria que eu gostaria que a minha família soubesse?". Acredito ter atingido uma vez mais o limite da baixa autoestima quando pensei nisso. Era uma das minhas tantas fases de crises existencialistas, quando passei a imaginar, rodeado por tantas cobranças desnecessárias e que hoje tão pouco sentido fazem (pensar nisso me dá uma sensação leve de raiva e indignação, mas logo passa), sem ao menos procurar entender o meu momento de amadurecimento intrapessoal, a minha falta de motivação para seguir adiante num caminho que nem eu mesmo tinha certeza qual era. Então me levantei e fui comprar um caderno e uma caneta, e passei a escrever alguns versos pensando nisso "Como se fosse o último Adeus" a todos aqueles que estavam presentes (mesmo que ausentes) na minha vida.

O pior de tudo? Pouco se entendeu do que eu quis dizer. Mas logo depois, quando percebi que eu estava virando adulto (para minha surpresa) eu entendi que às vezes o amor dos nossos entes queridos é o suficiente. Vejam bem, o amor. O demais é desnecessário.

Eu tinha só 21 anos, e já sentia como se estivesse numa derrocada. A angústia meus caros, longe de ser uma frescura, é fria e tem um gosto terrivelmente amargo no coração. Sente-se a garganta tingida com nanquim. A angústia é quando enxergamos uma coisa que ninguém enxerga, e vê-se tendo de enfrentar esse monstro sozinho, para ignorar algum novo fato descoberto. A angústia é um sentimento humano, que ocorrem naqueles que não conseguem perder o maldito hábito de pensar.


Como se Fosse o Último Adeus


Tenho a tinta em minhas mãos

É ela o cordão umbilical

Das mágoas decorrentes

Que liga o material inexistente

Ao limite e forma da expressão.

E quando vêem a expressão de desapreço

Não espero que me acolham como um filho

Que se sente neste mundo indefeso.


Pois nem todos tem nas grossas retinas

Os dificílimos dons da telepatia,

Ficam as dores como sinal de apostasia.


A maior de todas injustiças

Foi ter me dado o dom sem luz da triste vida.

Sem saber se eu o convite aceitaria

E agora cá estou vivo jazendo em hipocrisia

Num poço fétido de atrocidades ambíguas.


Pode o amor talvez salvar-me desta sina?

Meu amor nos teus olhos de menina.

Que acalma no teu peito a tempestade

Por causa dos complexos da idade

És a única que o pranto compreende...

Mas quando até tu meus clamores infantis te zangam

Sinto-me ainda mais perto do abismo

Que estive no inverso disso tudo.

Pois és a minha doce curandeira

Destes males de profunda dimensão

Que cada qual tem no próprio coração.

A única coisa verdadeira coisa

É o lápis que carregado com ternura

Que laça a ponte entre o imenso abstrato

E o concreto absoluto contrato.


Não quero o azul do céu ou do mar

Não quero prender o suspiro

Tampouco quero respirar o ar.

Não quero as frutas da árvore

Não quero as árvores do pomar.

Não quero o amarelo fugaz das chamas

Ou o decerto desprezo frio das damas.

Ou quero descer da cama ao meio-dia

E ficar sentindo frio no inverno

Ou esquentar-me nas orlas litorâneas

Sem prestar atenção neste inferno.

Só não pedi que me dessem o início

E este fardo carrego com desgosto.

A escuridão é o ópio da minha mente.

Mas quando a loucura caminha à própria sorte,

E extrapolam as dúvidas que me assolam

Digo que antes de tudo, a morte.

A vida é uma mentira e o tempo é inocente.

Mentimos desde o tempo obstante até que ela nos separe.

Minto para o mundo crer que não sou eu.

Mas eu não sou eu.

Sou o reflexo das pessoas que amei

Eu não posso ser eu.

Ouviram!

Tento mentir para as pessoas que amei!

Porém, meu eu implícito complacente,

Não suporta mais a vida aqui.

Então se guarda no resguardo da mentira

Renegando da essência a própria vida

Virando além o reflexo de quem mente.

O que meus olhos não vêm, o meu coração sente.

O que é isso que se esconde eternamente?

Como um vulto que não surge à espreita?

Sou o lunático que vive na estreita

Entre o reflexo do espelho e a verdade.

Vivendo como um caçador de sonhos.

Queria uma razão sólida para isso tudo

Sem precisar me apoiar em motivos bêbados

Ou sentir vergonha de mim mesmo.


Sou o uísque sem copo,

O remédio sem bula,

A doença sem cura.

Sou o alcoólatra contra a campanha.

Como o sinal contínuo do destilador.

O ruído do copo se enchendo, e nunca termina.

A morte que acompanha o choro desesperado.

A angústia sem paz.


Palavras não são cartazes de aviso.

Palavras não são antibióticos.

Palavras não são milagres.

São só palavras...

O milagre sou eu!


Se a minha vida fosse o mar, eu seria a tempestade.

Não há latitude nem longitude.

Sou como a água boiando sobre a água.

Um fenômeno que não sabe se explicar.

Não há tampa nem tombo nem correspondência!


Não há tumba, nem retumba!

Não há berço!

Não há túmulo!

Postagens mais visitadas deste blog

A Praça

Chegando na praça central Ouço os ecos e os rumores De uma vida que parece outra Os risos de andarilhos sem caminho Os caminhos de passos tortuosos O desgaste do que antes fora arte As estátuas sem nome Os nomes nas placas sem história Folhas caídas pelo chão  Os recortes no ar, de galhos retorcidos Ominoso, lugubre e risonho Será que um dia voltarão a florescer? A cada suspiro uma mão distante me acena Miragem ou ilusão, um consolo de memória. Por que tão vazia? Por que tão pouco visitada? Por que assim, remota, esquecida? Cercada de casas sem família Cercada de muretas sem ter o que proteger Nesta praça de ruas que não vão e nem chegam Somente o velho reina Meu filho, diz o vento, é assim mesmo. Quantas vezes soube tu, alguém que guardasse teu nome? A praça tem som de tranquilidade e cheiro de saudade.

Bucolismo

Com tua carroça cheia dos restos da cidade O catador para diante da margem do rio É um rio largo, escuro, mal cheiroso Ele observa o reflexo nas águas, suspira e vai embora: - Esse rio é tipo um abismo. Todo dia passa ali, com tua carroça colorida de catador. A engenharia é uma piada tecnicista Tem uma TV quebrada Num celular, uma antena de carro, só por ironia Um CD de um grupo de Axé que já acabou - o resto de uma alegria do passado - Uma boneca vestida com roupa de mecânico Restos de móveis Restos de roupas Restos de memórias fragmentadas. Ele mira o reflexo nas águas, suspira, e vai embora: - Esse rio aí, é um imenso abismo. Todo dia é a mesma coisa. Do outro lado da margem do mitológico rio:  A vista bucólica de um jardim bem cuidado Casas em seu devido lugar Pessoas em seus devidos lugares É tudo como se fosse um sonho. Ele olha as águas, se vê no fundo distorcido, suspira, pega sua carroça e vai embora - Um dia atravesso o rio. O rio é quase sem fundo e quase sem vida.

O Lago

Caminha entre alamedas tortuosas E a abóbada de bosques sigilosos Adentro a mata o encanto avistai Repousa obliterado o grande lago. E largo encontra em límpido repouso Defronta diante em margem distorcido Silêncio com remanso se emaranha Enigma malcontente insuflado. Atira-lhe uma pedra e de onde em onda Emergirá um monstro adormecido Até que venha o próximo remanso Até que a fenda em sangue desvaneça.