Pular para o conteúdo principal

Poema de Pedra

No fim

Lá atrás, entre a colheita mal feita e o vinho maltrapilho,

Construí uma igrejinha de pedra, de São Bananais,

Santo meu, criado meu.

Jesus Cristinho derrubou as taças, os pratos, as pratas.

Na igreja de São Bananais.


Cavei com as unhas na pedra o nome do Nosso Senhor.

A pedra voltou-se a mim amarela, empoeirada desfalecendo.

Fica agora, cai ou não cai. Morre ou não morre.


E o morre desmorre da vida desvida que não vai.

Nem vem.

Nem vai.


Entre o vinho maltrapilho, escolhido no mercado, atrás do balcão de carnes e frios.

Não tem imagem de São Bananais.

Jesus Cristo tomou-me as mãos e salvou-me por enquanto.

Mas enquanto eu derramava o vinho, a mão escorrega.

Embriagado morre. Escorrega vive. Vai, não vai.

Colhi da escolha de Não Bananais.

Não, pedra.

Sem fumaça de algodão doce cheirando na alma.

Não, pedra.

A mulher, madura, cheirando a carne mordendo a cruz.

Não, pedra.

O travesseiro frio, a luz, a luz, a luz...

Não, pedra.

A boca rosada, cor de curiosidade, lambendo a palma.


Lambe a palma, lambe a palma.

Amor de pedra da gávea!


A colheita foi ruim este ano, ano que vem é pior!

Tem um navio preto (por que sempre preto?) encalhado na doca.

Doca canavial, lugar do meu coração.

Tem um navio no meu coração.

A imagem de Jesus presa na cabine do capitão.

Ah não tem mais, capitão mandou tirar dali.

Onde encontrar a palma do meu Senhor então?


Está voando, está voando! Abobado, deita!

A doca canavial de feira livre tem muita.

Mas tem um navio preto lá

No meu coração.

Amanhã a gente vai e arruma uma nova.

Esquece o navio e pega a menor embarcação.


Mas a água virou pedra mole até que fura.

Desfalecendo em minhas mãos...

O nome.

Que trabalho! Sumiu agora, só resta o navio preto.

Não embarca, o vinho sublime sujou a rampa,

A colheita inundou de proa à popa.

E o coração ruiu

Sumiu

Morreu

Empedreceu!

No começo.

Postagens mais visitadas deste blog

A Praça

Chegando na praça central Ouço os ecos e os rumores De uma vida que parece outra Os risos de andarilhos sem caminho Os caminhos de passos tortuosos O desgaste do que antes fora arte As estátuas sem nome Os nomes nas placas sem história Folhas caídas pelo chão  Os recortes no ar, de galhos retorcidos Ominoso, lugubre e risonho Será que um dia voltarão a florescer? A cada suspiro uma mão distante me acena Miragem ou ilusão, um consolo de memória. Por que tão vazia? Por que tão pouco visitada? Por que assim, remota, esquecida? Cercada de casas sem família Cercada de muretas sem ter o que proteger Nesta praça de ruas que não vão e nem chegam Somente o velho reina Meu filho, diz o vento, é assim mesmo. Quantas vezes soube tu, alguém que guardasse teu nome? A praça tem som de tranquilidade e cheiro de saudade.

Bucolismo

Com tua carroça cheia dos restos da cidade O catador para diante da margem do rio É um rio largo, escuro, mal cheiroso Ele observa o reflexo nas águas, suspira e vai embora: - Esse rio é tipo um abismo. Todo dia passa ali, com tua carroça colorida de catador. A engenharia é uma piada tecnicista Tem uma TV quebrada Num celular, uma antena de carro, só por ironia Um CD de um grupo de Axé que já acabou - o resto de uma alegria do passado - Uma boneca vestida com roupa de mecânico Restos de móveis Restos de roupas Restos de memórias fragmentadas. Ele mira o reflexo nas águas, suspira, e vai embora: - Esse rio aí, é um imenso abismo. Todo dia é a mesma coisa. Do outro lado da margem do mitológico rio:  A vista bucólica de um jardim bem cuidado Casas em seu devido lugar Pessoas em seus devidos lugares É tudo como se fosse um sonho. Ele olha as águas, se vê no fundo distorcido, suspira, pega sua carroça e vai embora - Um dia atravesso o rio. O rio é quase sem fundo e quase sem vida.

O Lago

Caminha entre alamedas tortuosas E a abóbada de bosques sigilosos Adentro a mata o encanto avistai Repousa obliterado o grande lago. E largo encontra em límpido repouso Defronta diante em margem distorcido Silêncio com remanso se emaranha Enigma malcontente insuflado. Atira-lhe uma pedra e de onde em onda Emergirá um monstro adormecido Até que venha o próximo remanso Até que a fenda em sangue desvaneça.