Pular para o conteúdo principal

Descascado

Não são só palavras que me lembram você. Nem o seu cheiro, nem a sua voz, nem o seu olhar. Nem mesmo você me lembra você mesma.

Uma folha caindo me lembra você. Uma música qualquer me lembra você. O som de um carro passando, ou de um copo sendo lavado na pia. Também me lembram você a noite alta, fria, porém confortável como o colo da minha mãe. As estrelas opacas, ofuscada pelos postes de iluminação. A vontade de fugir daqui pra sempre, isso me lembra muito você. As frutas na fruteira, o começo da chuva de verão. A dor no peito e a dor de estômago me lembram você.

Preciso de coisas que me façam te esquecer. Até a minha imagem me lembra você.

Não vou mentir pra mais ninguém e menos ainda pra mim mesmo. Que uma árvore verdinha me lembra você. Mas uma maçã descascada também me lembra você.

O que cai primeiro? A folha da árvore ou a maçã da macieira?

E quando cai foge pra sempre. Eu piso na folha que é mais fácil, e isso a faz se machucar. Pisar na maçã é mais difícil, ainda quando escorrego e tombo, sinto a dor terrível da queda e não consigo levantar.

================
Esse texto é pra você e pra você. Minha folha verde e minha maçã descascada.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Erospectro

Dança a débil seda da cortina em altivez Acaricia, enquanto sôfregas, balança O alabastro lívido de porcelana tez. Ajoelha ante a luz da superfície pálida Princesa portentosa do teu estreito templo Aporta em silhueta a majestade cálida. Anda, paladino, sobre a laiva curvatura Forrada do plantio de calêndulas laranjas Descansa à boda quente da lacuna escura. Venera esta abadia, pétala a pétala Diante da minha dupla onírica imagem Repousa em cada vale de divina sépala. Despeja-me o orvalho em êxtase, a coroa, Na carne-alvura arqueja em nosso infausto cio, Em véu e labareda, um altar, uma pessoa. E quando finda a música, resta-me a visão: Princesa, diabo, luz, deleite em união, No espelho sorridente à criadora perdição. 

Tua Palavra

Palavras como fios E teus dedos costurando Um caloroso manto Para minha sombria alma. Palavras, que como pão Desta tua fome tão antiga Onde cada sílaba que canta Vira a ceia da minha calma. Palavras, como tuas mãos Que quando escreves meu nome Eu sinto O calor do teu gentil enlaço. Palavras como a brisa A brisa que a mim veio  No alívio das noites infernais Na doçura dos teus braços. E se ousa um dia duvidar Da força daquilo que escreve Lembra: O mundo que é só trevas A vida que era nada Tudo começou, até amor Pela Palavra.

Sacrum Putridaeque

  sacrum putridaeque "Animae exspirant, redire nolentes... Sed redeunt in sudore, dolore et metu, formam suam relinquentes." ✝ Invocatio Sacroputrida: Vox Ultima Ex Reliquiis ✝ Substância em ardência Como que em condenação Ao inferno da tua ausência. De seu cílio cai o lastro Da aurora poma aberta Afligida ao omisso mastro. Minha boca sente a míngua Pela privação do tato Da oração com tua língua. Numa parte sem ritual E eu aqui que só me encontro Do meu gozo sepulcral O meu tédio, meu remanso Invocatio sacroputrida Sem perdão e sem descanso! Ora em mim sem castidade Faz-me diário do teu ímpeto, Sem decência ou piedade! ================================================== Invocatio Sacroputrida: Vox Ultima Ex Reliquiis Substantia in ardore Quasi damnationis Ad infernum absentiae tuae. De cilio eius cadit onus Aurorae pomum apertum Afflictum ad mastum neglectum. Os meum sentit inopia Privatione tactus Orationis cum lingua tua. In parte sine ritu Et ego hic solus invenior Gaudii m...