Pular para o conteúdo principal

O Corpo Docente e o Decente

"Quando observamos a quantidade e a variedade dos estabelecimentos de ensino e de aprendizado, assim como o grande número de alunos e professores, é possível acreditar que a espécie humana dá muita importância à instrução e à verdade. Entretanto, nesse caso, as aparências também enganam. Os professores ensinam para ganhar dinheiro e não se esforçam pela sabedoria, mas pelo crédito que ganham dando a impressão de possuí-la. E os alunos não aprendem para ganhar conhecimento e se instruir, mas para poder tagarelar e para ganhar ares de importantes. A cada trinta anos, desponta no mundo uma nova geração, pessoas que não sabem nada e agora devoram os resultados do saber humano acumulado durante milênios, de modo sumário e apressado, depois querem ser mais espertas do que todo o passado." - Artur Schopenhauer - Sobre a Erudição e os Eruditos.

A minha postagem de hoje eu começo com um trecho de um trecho. Existe um livrinho que andam vendendo por aí, atribuído à autoria de Schopenhauer, cujo título é A Arte de Escrever. Tal livro, na verdade, não existe. A Arte de Escrever é uma coletânea de escritos extraídos de outra obra do autor chamada Parerga e Parelipomena, ou traduzida como Pensamentos isolados, todavia ordenados sistematicamente, sobre diversos assuntos (1851), de onde vieram os capítulos Sobre a Erudição e os Eruditos, Pensar por si mesmo, Sobre a escrita e o Estilo, Sobre a Leitura e os Livros e Sobre a Linguagem e as Palavras, dentre outros capítulos sobre temas diversificados que ainda remetem ao problema da teoria do conhecimento.

Na época em que adquiri esta pequena coletânea, muito bem organizada por sinal, eu tinha como intuito descobrir um meio de escrever objetivamente, tal como na obra Discurso do Método de René Descartes, ou na obra Ecce Homo de Friedrich Nietzsche. Mas qual a minha surpresa ao me deparar com ideias tão modernas e lúcidas a respeito dos problemas envolvendo conhecimento, seus meios de adquiri-lo e as suas finalidades. Schopenhauer dilui toda essa crosta suja que envolve o conhecimento puro, e com muita maestria desmascara a petulância e soberba dos eruditos da época.

Um grande discípulo de Schopenhauer, um pouco distante, mas cuja influência não se deixa disfarçar, Machado de Assis, escreveu também: "Muda-se a farda mas não muda-se a pele". Os tempos mudam, mas a mesma sujeira permanece debaixo dos tapetes.

Quando chegamos no ensino médio e vamos nos aproximando do vestibular, muito se fala sobre a vida na Universidade e as promessas das maravilhas do acesso à informação, e as portas que se abrirão dali em diante, etc, etc. Ilusões eu digo, puras ilusões. O Vestibular é visto como a Copa Libertadores da vida escolar. Caso consiga o campeonato, você pula para a modalidade dos verdadeiros campeões, do Campeonato Mundial de Interclubes, ou a Universidade. E é com essa mentalidade competitiva que ingressamos no tal curso superior, que começa já desde a preparação para os exames vestibulares, exigindo com tamanha ignorância uma quantidade descomunal de informações que serviria apenas para o abalo da autoestima e o constante sucateamento do, não sistema educacional, mas, conhecimento. A partir daí, para os que conseguem e os que não conseguem ingressar nas tais melhores universidades do país, passa-se por um processo de meses para compreender o merecimento ou não de um título que só funciona na imaginação: estou ou não dentre os melhores/piores estudantes do país? Pouco importa, o terror maior está em quem empunha a arma mais letal de uma nação: giz e lousa.

Qual a finalidade do conhecimento universitário afinal? Um amigo meu (e faço questão de mencionar, pela sua mais refinada inteligência, João Massuia) me deu uma luz certa vez, dizendo que o conhecimento universitário é a capacidade de refletir universalmente, extrapolando os limites de sua área de conhecimento e entendendo que este (conhecimento) faz parte de um todo. É engraçado notar que as mentes mais puras dentro da sociedade divergem sempre para o mesmo lugar. O conhecimento puro tem como finalidade a compreensão de si mesmo num universo tão imenso. É o conhecimento para somar, não para competir. Outra sociedade que tinha a mesma pureza e sabedoria de pensamento do meu amigo era a sociedade indígena. Os textos védicos, dos Hindús, de lá do Sri Lanka, também presam pelo mesmo princípio, do ser pelo todo.


O Corpo Docente e o Decente - 03/10/2008


De rosto bondoso ameniza-se o clima

Pois nossos clientes nos são muito caros

- Oh caros colegas, não me percam a estima

Os válidos brados ouvidos são raros,

E má vontade não é - a ordem vem de cima.


Agimos assim que é pra vosso bem

E nesta didática que eu tanto creio

Eu rogo a Deus pois poucos a tem.

(Contudo se a esse desastre sem freio

A prole do corpo docente abstém).


Mas vão lá com brio mostrar vossas graças

E Ração, festa, valsa, serão compensados

Contanto que eleve o nome que preso

Por qual o meu bolso se torna pesado.

Não vire a glória em pura desgraça!


Pois diga o que? Tu algo disseste?

Se a minha voz tem as mãos atadas

E com compaixão eu imagino

As suas humildes e aleijadas

Não clame desgraças co' que vestes.


A ordem é grande e muito complexa

Começa daqui da mediocridade

Percorre a grade incompetente

E para em algum lugar da cidade

No prédio de estrutura convexa.


Mas fique aqui, não se vá agora

Teu nome é o grão de areia da praia

Com outros grãos é grã importância

O meu é o lar imenso da arraia

Há outros que querem caso vá embora.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Chamas de Yemanjá

Almíscara penumbra O ar que pesa em febre As sedas ardem chamas Verte-me a maré da criação. Recebo em exortação As faíscas que te explodem sob a pele  Cubram-me, estrelas cadentes. Ergo-te minha aberta taça Largo anseio a coletar Neste cristalino cálice As pérolas de deleite mar. Perfeita ondulação Com um arqueio para trás Transmuto em Eva Rosa aberta das Mil Noites Das mil insaciáveis noites! Sem medida. Deixe que caiam Que cerquem-nos as brumas Banham a alma o noturno orvalho Ouça este canto É a beleza do profano hinário. Neste sonho vivo Altivez de devoção cutânea  Rito ao lúgubre exorcismo  Governa e acata simultânea. Sorve dominada a benta água Aceita a nativa incumbência  A viva e infinita exultação. Quente e pesada Cai a noite Salto na cidade inteira Soltas rubras copas Sem medo Reflexo brilhante das estrelas Embebe o lacre dos segredos. Quente e pesada Em açoite Salta a cidade inteira Um, dois, três, quatro Brindem ao pórtico Abraçados às cortinas Rasguem o m...

Erospectro

Dança a débil seda da cortina em altivez Acaricia, enquanto sôfregas, balança O alabastro lívido de porcelana tez. Ajoelha ante a luz da superfície pálida Princesa portentosa do teu estreito templo Aporta em silhueta a majestade cálida. Anda, paladino, sobre a laiva curvatura Forrada do plantio de calêndulas laranjas Descansa à boda quente da lacuna escura. Venera esta abadia, pétala a pétala Diante da minha dupla onírica imagem Repousa em cada vale de divina sépala. Despeja-me o orvalho em êxtase, a coroa, Na carne-alvura arqueja em nosso infausto cio, Em véu e labareda, um altar, uma pessoa. E quando finda a música, resta-me a visão: Princesa, diabo, luz, deleite em união, No espelho sorridente à criadora perdição. 

Dez Mil Dias

Certo dia foi assim Peguei o ônibus Sentei na calçada fria Esperei falarem comigo Deixei a mão suspensa, em vão E em um gole, matei minha sede Para no segundo seguinte Você não estar mais aqui.  E soube certa vez Que não estava mais aqui Às vezes Quem não está Parece nunca ter partido. Te via na luz Te via no amanhecer Te via Te vejo Na minha vontade de morrer. Tua voz que parei de ouvir Ainda soa para mim. O teu perfume de ternura Sinto em todo lugar O teu semblante de aurora Vejo-o nas pontas dos dedos. E sobreponha a  eternidade Entre o que plantou em mim E o fim do mundo E você ainda estará aqui. É assim mesmo. Porque  Ante a catástrofe  A confusão A existência O desamor e a desilusão A tristeza e o rancor As mágoas e a reclusão Três palavras Quatro sílabas A minha incapacidade humana de decifrar A dissolução da minha angústia: Eu amo você. 📿📿📿📿📿📿📿📿📿📿📿📿📿📿📿 Tudo isso começou no dia 06 de Maio de 1998.