De todos os lugares para se viver, o coração humano é o mais inóspito. Lugares onde vivem apenas nômades, os mesmos que tiveram coragem de abandonar seus lares seguros para se aventurarem em um terreno desconhecido. O mais precioso dos bens, território que ninguém rouba, se for conquistado com sinceridade e bom afinco. Há quem queira empilhar plásticos e ferragens em armários de mármore. Mas desde que nasci para a vida, virei um colecionador de corações.
Com tua carroça cheia dos restos da cidade O catador para diante da margem do rio É um rio largo, escuro, mal cheiroso Ele observa o reflexo nas águas, suspira e vai embora: - Esse rio é tipo um abismo. Todo dia passa ali, com tua carroça colorida de catador. A engenharia é uma piada tecnicista Tem uma TV quebrada Num celular, uma antena de carro, só por ironia Um CD de um grupo de Axé que já acabou - o resto de uma alegria do passado - Uma boneca vestida com roupa de mecânico Restos de móveis Restos de roupas Restos de memórias fragmentadas. Ele mira o reflexo nas águas, suspira, e vai embora: - Esse rio aí, é um imenso abismo. Todo dia é a mesma coisa. Do outro lado da margem do mitológico rio: A vista bucólica de um jardim bem cuidado Casas em seu devido lugar Pessoas em seus devidos lugares É tudo como se fosse um sonho. Ele olha as águas, se vê no fundo distorcido, suspira, pega sua carroça e vai embora - Um dia atravesso o rio. O rio é quase sem fundo e quase sem vida.