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Solilóquio


Disseram pra mim
Que o céu já não é mais tão azul
E que as estrelas no céu
Não são mais vistas quando a gente quer.

Disseram que a água já não é mais tão cristalina
E que não abunda mais em vida.
Disseram que o amor é uma história distante
E a chamaram de ideal.
Disseram que quando se ama
Não se vive a vida real.
Disseram que tudo do que aprendi
Hoje já não é mais igual.m

Disseram que cada vez que respiro
Eu aspiro em substâncias nocivas
E que o que dividi com meus amigos
Não faz mais parte de mim.

Disseram a mim, que quando estou sonolento
Estou repondo as energias que perdi
Em um inerte e inevitável momento.
Disseram que a felicidade não existe
E que puseram nos meus caminhos mais seguros
Mais caminhos, mais passos, mais muros.

Mas disseram a mim:
- Não te preocupes, a vida é assim.
A tua vida não para
Enquanto tudo à tua volta desaba.
Recolheis as pedras das quais precisas
Separeis os tecos de terras fofas que sobrarem
E planteis ali a tua rosa solene.

Disseram que a rosa eu protejo
E devo proteger!
Enquanto a vida se acaba
Nessa tristeza perene.

Contudo a amarga melancolia
Deixa-me em prostração,
Adinamia voluntária,
Aceitando tudo o que me disseram.

Ainda disseram, na embriaguez
(Ah, langor profundo da invalidez!)
Não existe verdade, porém, vaidade.
E sob vaidade o mundo se fez.

Abriram meus olhos e me mostraram as coisas
Mas eu não as vi como deveras às guisas.
Eu não senti a primeira brisa da vida
Eu não curei para mim, a minha própria ferida.

Disseram a mim, que a terra não planta
Então dessa terra infértil
Eu não colherei.

Mas acreditarei que tudo o que quero plantar
Plantarei, regarei, cultivarei, suspenso, ao ar.

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